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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Se nos damos é porque amamos!



 Vê-me mais vezes e não me dês nada!


Racine, na terceira cena do 2º acto do drama "Bérénice" ante a separação física que o Imperador Tito se preparava para levar a cabo pelo facto de Bérénice não ser romana, coloca na sua boca  uma frase que condensa todo o dramatismo da cena: 

- Vê-me mais vezes e não me dês nada!



Não vem aqui o propósito de se fazer qualquer análise do drama da famosa peça de teatro, mas tão só, fixar a frase de Bérénice naquilo que ela tem do amor humano de um ser pelo outro, quando no simples acto de "dar" nos damos, fazendo, assim, que a preposição de "nos darmos" supera o "dar", porque este pode ser feito sem amor, enquanto o outro não pode existir sem que ele preencha por dentro do coração humano toda a carga da afeição que se sente, reveladora por excelência da dádiva sem recompensa que é uma entrega sem sofismas, onde cabe, por inteiro e com todo o propósito o pedido da judia Bérénice: 

- Vê-me mais vezes e não me dês nada.

Ou seja, depois de termos dado ao outro todas as nossas riquezas exteriores - onde vão, às vezes, de sobejo, as interiores - nada é preciso receber de bens palpáveis senão a imaterialidade do acto da visita, saldada no simples olhar que por si é a melhor riqueza que se pode receber.

Pessoalmente, senti isso, há das, quando uma arreliadora doença me prostrou na cama do Hospital, quer nas visitas que recebi, quer nas mensagens ou telefonemas, algo que me levou a meditar na frase desta heroína da peça teatral de Racine, porquanto, sem dizer textualmente a frase que ela diz no drama, passei a pedir e a dizer para comigo:

- Vinde ver-me, meus familiares e meus amigos. 
- Telefonai-me. 
- Mandai-me mensagens, porque em todos os vossos actos eu sinto o que gostais de mim!
- Vinde as vezes que puderdes!
- Não vos peço mais nada, para além disto!

Bérénice teve menos sorte que eu.

Ela que nada pedia a Tito viu-se afastada e colocada fora de Roma, enquanto eu me senti bem dentro do coração da família e dos amigos, porque todos eles "dando-se" como  o fizeram ultrapassaram - e de longe - a acção de "dar", que é. quantas vezes, o cumprimento frio duma norma social, mas onde falta, tantas vezes, o acto de amar o outro.


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