in, "Revista Municipal"
nº 32 - 1º trimestre de 1947
Muitas vezes, na minha juventude,
no decorrer dos meus passeios àlacres que me levavam ao conhecimento a que me
sentia obrigado sobre a Cidade de Lisboa, parei embevecido no Miradouro de
Santa Luzia que o feliz artista desenhou e acima com a devida vénia se
reproduz, para olhar demoradamente os telhados de Alfama, onde avultava a
Igreja de Santo Estêvão e em fundo, as águas do Tejo e as velhas fragatas que
ainda haviam, deslizando mansas ao sopro da brisa a caminho de um qualquer dos
cais que as esperavam para a carga ou para o transbordo.
Recordo, um dia - que foi dos
tais que só se vive uma vez, porque nunca mais tive o prazer de viver e já o
não viverei, nunca mais - ter encontrado ali, sentado num dos bancos então,
como hoje, implantados bem juntos da amurada daquele navio parado, uma
personagem singular que recitava, com os olhos fixos na Igreja de Santo
Estêvão, a letra lindíssima de um fado que lhe foi dedicado e estava em voga,
naquele recuado tempo.
A letra como uma recordação
daquele momento, fica aqui e, por certo, vai fazer recordar algumas memórias
adormecidas.
Igreja de
Santo Estêvão
Na igreja de
Santo Estêvão
Junto ao
cruzeiro do adro
Houve em
tempos guitarradas.
Não há
pincéis que descrevam
Aquele soberbo
quadro
Dessas noites
bem passadas.
Mal que
batiam trindades
Reunia a
fadistagem
No adro da
santa igreja.
Fadistas,
quantas saudades
Da velha
camaradagem
Que já não há
quem a veja.
Santo
Estêvão, padroeiro
Desse recanto
de Alfama
Faz um
milagre sagrado.
Que voltem ao
teu cruzeiro
Esses
fadistas de fama
Que sabem
cantar o fado.
É de toda a justiça que se diga
que é autor da letra o poeta Gabriel de Oliveira, da música, Joaquim Campos,
sendo o fado dedilhado com os acordes da "fado Vitória", pertencendo aquele
laudatório trecho musical ao repertório de Fernando Maurício, que o celebrizou.
Hoje, que graças às novas
tecnologias mantenho com prazer espiritual o meu "blog" a que chamei
"MIRADOURO" declaro que o seu nome foi beber por inteiro àquele local
de Lisboa e, que, o pequeno texto que lhe vai em rodapé, escrito na data da sua
publicação e que, textualmente se exprime deste modo, reflecte, com verdade um sentimento que sinto de alguma desilusão de um mundo que se virou contra algo que perante o meu pensar de jovem é um sonho desfeito e no de adulto, é uma realidade imposta e contra a qual com as fracas armas que tenho jamais deixarei de lutar com a lealdade de normas e princípios morais que trago intactos desde os tempos em que, olhava o casario de Alfama, a partir daquele lugar privilegiado da Cidade de Lisboa.
Eis o texto:
Eis o texto:
Daqui - do Miradouro de Santa Luzia - vejo um pedaço do mundo e
se o vejo desajeitado, sofrendo a mágoa duma realidade melhor que desejei,
estou consciente de não ter sido um
destruidor assumido, embora admita a omissão de o não ter ajudado a erguer como
devia, sugerindo estas afirmações que os dois modos contrários do meu agir
reflectem a minha desatenção humana, dando-me a certeza que a ela só escapam os
homens fadados para destinos superiores.
Foi, ainda, pensado e escrito,
com o meu olhar e sentimento já não de
jovem, mas de um homem a descer a curva da vida, com o pensamento no Miradouro
de Santa Luzia, donde, efectivamente, se vê um "pedaço do mundo",
tendo alguma amargura de o ver "desajeitado", possivelmente, sendo meu o defeito de o ver assim, mas tendo consciência das minhas omissões no
que concerne ao dever ter feito mais e melhor, mas deixando de pé a única
certeza que tenho, como como sequência natural dos meus efeitos humanos, ao
declarar que a esses defeitos "só escapam os
homens fadados para destinos superiores".
Declaro, que a virtude de ter sido mais perfeito escapou-me sempre ao
longo da vida que já vai longa, sem contudo, me tirar o prazer de voltar,
ainda hoje, de vez em quando ao Miradouro de Santa Luzia, onde ecoa, ainda, nos
meus sentidos a voz do antigo declamador
do célebre fado: Igreja de Santo Estêvão.
Olho o banco onde o encontrei e, mentalmente, refaço a cena e iludo os meus sentidos!
Olho o banco onde o encontrei e, mentalmente, refaço a cena e iludo os meus sentidos!
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