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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Esmola do Pobre


Júlio Dinis


"Os pobres gostam da esmola dos jovens porque não os humilha e porque os jovens, que precisam de todos, assemelham-se a eles... A esmola de um homem é um acto de caridade: mas a de um menino é, ao mesmo tempo, uma caridade e um carinho."

Edmondo Amicis (1846-1908)


Nunca saberemos se a bela composição poética de Júlio Dinis escrita em 1869 teria tido inspiração no precalo pensamento de Edmondo Amicis, seu contemporâneo, que de uma forma simples mas eloquente na forma e no conteúdo nos deu da esmola do menino, a que alude, a caridade verdadeira - como Deus quer -  na linha evangélica que Júlio Dinis retoma no Poema "A Esmola do Pobre", onde nos deixou, apesar de não ter sido um Poeta de primeira grandeza ao invés do insigne escritor que foi, o retrato vivo de sua sensibilidade e veia artística que ali, de um modo claro retracta, possivelmente, os costumes da época em que viveu e, na qual, o pobre era um ser posto à margem das estruturas sociais, onde uma certa burguesia se impunha a começar nas camadas mais jovens.

A "Esmola do Pobre" é um retrato de um tempo que, quer os homens e as estruturas sociais têm de banir para sempre, fazendo que a moral dos costumes e a verdadeira caridade que vai beber ao Evangelho de Deus se aprume e, seja, de uma vez para sempre o fanal que é preciso prosseguir sem desalentos.

                                       

                                      ESMOLA DO POBRE


Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha trémula e mendiga
Implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei-la enferma e na indigência,
Que à piedade estende a mão.

Duas crianças brincavam
À distância, na alameda;
Uma trajada de seda,
Da outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre,
Ambas loiras e formosas,
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.

A rica, ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço,
Viu a mendiga – e ao regaço
Uma esmola lhe lançou.
Ela recebe-a; e a criança,
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva,
Aos anjos encomendou.

De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
À criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
- «O prazer de dar esmolas
A ti e aos teus não é dado;
Pobre como és, coitado,
Aos pobres o que hás-de dar?»

Então a criança pobre,
Sem más sombras de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto,
Da igreja se aproximou;
E após, serena, em silêncio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se, ajoelha,
E a magra mão lhe beijou.

E a mendiga alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.


                                    Júlio Dinis, in, "Poesias"


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