Pesquisar neste blogue

sábado, 15 de novembro de 2014

Será que mereço ter uma estrela no Céu?






Aconteceu há já muitos anos.

Um grande Amigo que eu tive, Poeta sem que nunca tivesse feito um verso, mas um exímio criador de imagens etéreas, numa certa noite de luar silente, daqueles que tudo iluminam incluindo a alma da gente, convidou-me a subir com ele em plena Serra da Beira Interior, e lá no alto tendo sobre as nossas cabeças uma miríade fulgurante de estrelas que inundavam um Céu sem mancha, num daqueles arroubos poéticos que nele eram normais, na anormalidade - para quem o não conhecia - quanto ao sentido das suas lucubrações nas quais afinava a corda da sua fina sensibilidade, sem  me olhar, absorto no espaço infinito do Céu, fez-me esta pergunta singular:

- Tu sabes que todos os homens tâm uma estrela no Cèu?

Recordo-me que naquele momento fiquei mudo sem saber como lhe responder, ao que ele, como complemento daquela sua asserção inusitada, ajuntou o seguinte:

- A estrela que todos temos subiu até às alturas do Céu nas nossas brincadeiras de meninos, quando a nossa inocência não buscava arrebiques de formas estudadas e tudo o que fazíamos eram estrelas que soltávamos nas risadas francas das nossas brincadeiras. 
Fica sabendo que elas estão lá em cima a brilhar e a olhar por nós!

Era assim aquele amigo Poeta cujos versos tirava destas conclusões cheias de sentido, fruto duma alma grande que fez dele um homem exemplar e um amigo, que tendo partido, certamente, se aninhou na estrela que ele dizia tinha mandado para o Céu, afirmando que uma das que brilhavam sobre nós, era a sua estrela.



Aqui, há dias, os meus olhos deram com esta poesia de Miguel Torga:

BRINQUEDO

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa  pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel,
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.


Li, reli, esta invulgar poesia do grande Poeta de S. Martinho de Anta e veio-me à lembrança o tempo antigo em que subi ao alto da Serra com aquele Amigo invulgar que eu tive e já perdi, para reviver o que ele me disse naquela noite de luar silente.

Fiquei a pensar que ele estava inteiro naquele menino de Miguel Torga, e a pensar que, tal como aconteceu com o menino do belo poema, num certo dia das suas brincadeiras inocentes fez subir tão alto a estrela do seu "papagaio de papel" - que era então, como ainda hoje, um modo àlacre  e esfuziante comum de todos os meninos -  que tendo-o perdido de vista lhe cortou o cordel, deixando que ela subisse para se  confundiu com as estrelas do Céu!

Se ele tem razão, quem me dera ter, efectivamente, uma estrela no Céu!
Infelizmente, não tenho a certeza que tinha o velho Amigo, de quem espero, que um dia, pela benevolência da sua atitude de me dê um pouco da ponta da sua estrela, onde chega a Luz de Deus que ele soube merecer pela poesia que emprestou à sua vida.


Sem comentários:

Enviar um comentário