Coimbra, 12 de Dezembro de 1984.
Desiludi-o mais uma vez. Mas nada posso fazer, por muito que me custe. Pede-me impossíveis. Transigências de vária ordem que vão contra a minha natureza profunda. E digo-lhe que não.Caminhamos como nunca em sentidos opostos. Ele entra sofregamente na vida e eu saio displicentemente dela. Se atendesse às suas exortações e solicitações, deixaria de ser quem sou. Onde um quer o sucesso, o outro quer a liberdade. A liberdade solitária a que se condena um mortal responsável mas descomprometido. Não foi para triunfar que vim ao mundo; foi para ter consciência de inanidade de todos os triunfos.
Desiludi-o mais uma vez. Mas nada posso fazer, por muito que me custe. Pede-me impossíveis. Transigências de vária ordem que vão contra a minha natureza profunda. E digo-lhe que não.Caminhamos como nunca em sentidos opostos. Ele entra sofregamente na vida e eu saio displicentemente dela. Se atendesse às suas exortações e solicitações, deixaria de ser quem sou. Onde um quer o sucesso, o outro quer a liberdade. A liberdade solitária a que se condena um mortal responsável mas descomprometido. Não foi para triunfar que vim ao mundo; foi para ter consciência de inanidade de todos os triunfos.
Miguel Torga
in, Diário XIV
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A gente lê e quase fica sem palavras para reflectir logo a seguir.
Apetece fechar os olhos - pensar no que se leu - e ler de novo e só depois disso reflectir que todas as palavras deste pequeno texto, são grandes, agudas no sentido e penetrantes pela substância que em cima delas apetece, apenas, lembrar este vulto que não se deixou ludibriar pelos interesses mesquinhos de um certo mundo rasteiro que o quis absorver, esquecendo-se que dentro dele vivia um outro Mundo que só os seus mais íntimos conheceram.
Apetece fechar os olhos - pensar no que se leu - e ler de novo e só depois disso reflectir que todas as palavras deste pequeno texto, são grandes, agudas no sentido e penetrantes pela substância que em cima delas apetece, apenas, lembrar este vulto que não se deixou ludibriar pelos interesses mesquinhos de um certo mundo rasteiro que o quis absorver, esquecendo-se que dentro dele vivia um outro Mundo que só os seus mais íntimos conheceram.
Mas a gente lê momentos de ouro - como este - e o que apetece é dar graças a Deus pelo homem que ele foi, que fugiu a todos os mundos rasteiros para onde o quiseram levar, deixando sempre erguida, sobre as águas límpidas do rio por onde correu o barco da sua vida a vela do seu Mundo, alta e branca sob o "altar" onde ele celebrou a honra de viver displicentemente, a sua liberdade solitária.
De pouco importa especular sobre quem teria sido a personagem a quem Miguel Torga desiludiu, mas importa - isso, sim - pensar no modo firme, sereno e altruísta como ele deixou naquele dia no seu "Diário" este apontamento com destinatário, e que bem pode ser endereçado a todos aqueles que se esquecem que nem todos os homens são mercadoria para vender na praça onde costumam aparecer os "vendilhões do Templo".
Ao contrário de Jesus que correu com eles à chicotada, Miguel Torga fez das palavras o seu chicote e, certamente, elas fizeram doer mais que o chicote que Jesus.
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