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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O Amor - Um poema de Irene Lisboa


Irene Lisboa, é assim que ficou conhecida esta personagem do ensino e das Letras Portuguesas encheu os tempos livres que lhe deixavam as suas ocupações de professora do Ensino Primário e das suas aulas de Pedagogia para nos deixar na sua obra poética várias composições sobre o tema do amor humano e que o mundo onde viveu, atrasado relativamente à emancipação da mulher lhe trouxe alguns dissabores, não tendo muitos dos seus contemporâneos pressentido que havia na sua alma uma bela estima pela pessoa que enchia em pleno a sua sensibilidade humana.

Lembrando o seu poema AMOR que se reproduz, antes, tenhamos presente o mito de Eros e Psique como um convite à nossa humanidade a meter-se por dentro do mito e com ele metido dentro do poema.

The adduction of psyche
Quadro de William Bouguereau


Na mitologia grega Psique era uma mulher de rara beleza que um dia foi levada misteriosamente até ter acordado nos aposentos luxuosos de um castelo de sonho, tendo-se apercebido que no transporte fora acompanhada por alguém, vindo a descobrir que era Eros, o marido que lhe fora predestinado e a fazia sentir bem amada.

Estava feliz, mas para assim continuar - por ordem dele - não podia ver o seu rosto, porque se tal fizesse perdê-lo-ia para sempre. Psique, concordou, até porque se tratava de obedecer ao deuse Eros que na mitologia romana corresponde a Cupido.

Um dia Psique, arriscou um pedido: que o marido a deixasse ir visitar seus pais e suas irmãs a que ele acedeu. Chegada ali confessou que por imposição dele estava proibida de lhe ver o rosto, algo que indignou as irmãs, tendo-lhe dito:

- Isso não pode ser e contra a vontade dele tens de lhe desobedecer.

Levada por esse desejo que já tinha e assim espicaçada, ao regressar a casa e vendo o marido a dormir acende uma vela e ao vê-lo fica de tal modo extasiada pela sua beleza que não se apercebeu que uma gota de cera quente se desprendeu e caiu sobre ele, acordando-o, o que provocou de imediato que ele ao dar conta de Psique ter quebrado a promessa, abandona-a a vagar pelo mundo até que, um dia, Eros - morto de saudade - pediu a Zeus que os ajudasse  a reconciliar.

Diz a lenda que Eros (Cupido), usou na reconciliação uma das suas flechas e levou a sua amada para o Olimpo e nunca mais se separaram. 

E o mito de Eros (o amor) e Psique (a borboleta) que em grego significa "alma" faz que o mito - no Ocidente - seja uma alegoria à imortalidade da alma, simbolizando também o seu sofrimento, mas para receber como prémio o verdadeiro amor que é eterno.


AMOR

Aqueles olhos aproximam-se e passam.
Perplexos, cheios de funda luz,
doces e acerados, dominam-me.
Quem os diria tão ousados?
Tão humildes e tão imperiosos,
tão obstinados!

Como estão próximos os nossos ombros!
Defrontam-se e furtam-se,
negam toda a sua coragem.
De vez em quando,
esta minha mão,
que é uma espada e não defende nada,
move-se na órbita daqueles olhos,
fere-lhes a rota curta,
Poderosa e plácida.

Amor, tão chão de Amor,
Que sensível és...
Sensível e violento, apaixonado.
Tão carregado de desejos!
Acalmas e redobras
e de ti renasces a toda a hora.
Cordeiro que se encabrita e enfurece
e logo recai na branda impotência.
Canseira eterna!

Ou desespero, ou medo.
Fuga doida à posse, à dádiva.
Tanto bater de asas frementes,
tanto grito e pena perdida...
E as tréguas, amor cobarde?
Cada vez mais longe,
mais longe e apetecidas.
Ó amor, amor,
que faremos nós de ti e tu de nós?

Irene Lisboa
in, Poemas de Amor

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Ressalta como nota final o grito de Irene Lisboa.

Ó amor, amor,
que faremos nós de ti e tu de nós?

Lembrando a saudade que Eros sentiu por Psique depois de a ter despedido, lembremo-nos de nós, pessoas reais e voltemos atrás naqueles momentos irados do Cordeiro que se encabrita e enfurece de que nos fala Irene Lisboa, porque manda a inteligência humana que é nesses momentos preciso recair na branda impotência e tudo refazer - imitando o Eros mitológico -  para que, após tanto grito e pena perdida se saber que tem de ser dessa tomada de consciência que deve nascer a resposta que o AMOR reclama e assim aparece no poema e à qual somos obrigados a responder por ela ser a filha dilecta da branda impotência, pois é deste modo de agir que se reconstroem as mais belas histórias de amor.

Continua, por isso, válida a pergunta da poetisa:

Ó amor, amor,
que faremos nós de ti e tu de nós?

Que o belo quadro de William Bouguereau nos inspire e aconselhe. Nesta obra pictórica Psique enleia-se em Eros para de novo reunidos nunca mais se separarem e se isto teve na mente e na paleta do pintor como fonte o mito grego, não deixa de ser uma chamada de atenção ao modo como se deve viver o amor humano quando ele resulta de uma verdade de sentimentos e evitar, assim, casais desfeitos nesta sociedade tonta, onde, muitas vezes, chega um amuo ou uma palavra mal dita para romper uma ligação de amor.

Que o mito de Eros e Psique se realize na realidade humana é o que apetece concluir.

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