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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Adeus. Um poema de Eugénio de Andrade





ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes
E eu acreditava.
Acreditava.
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis. 

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade
in «Os Amantes sem Dinheiro»
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Parece não haver o retorno dos dias em que era possível ver nos olhos de quem era amado peixes verdes, porque no aquário haviam secado as águas ao mesmo tempo que as palavras e só o silêncio imperava, impenetrável e profundo.
Só esse vivia, enquanto tudo o mais havia sido morto, precisamente pelo silêncio que teimou em não morrer.

Era, efectivamente, um "adeus"!

Estrada fora, ambos sós, cada um ia escolher um novo caminho...

A foto que ilustra este texto de Eugénio de Andrade foi escolhida não só por se ver que naquele caminho de um denso arvoredo só o elemento humano é que vai só, tendo a foto de ser vista com esta mensagem: Está ali para fazer ressaltar a "inteligência" dos elementos vegetais frondosos e entrelaçados nos seus ramos que a par uns dos outros, continuam a "ouvir" as queixas de quem caminha só - depois do "adeus" -  sem entender a lição das árvores unidas e florescentes, de ramos metidos uns nos outros, mesmo quando os ventos desnorteados os querem separar... e não há "adeus" que os separe.

Diz o Poeta que tudo morreu menos o silêncio, e eu penso,que Eugénio de Andrade poderia não ter sido tão radical naquele "adeus",  porque teria sido possível - uma vez que o silêncio não estava morto - pô-lo a gritar de tal modo que ele fosse ouvido e não tivesse havido aquele "adeus".

Mas isto digo eu, que estou de fora do sentimento do Poeta, como ele o viveu e sentiu e só temos de o respeitar nesta bela e dolorida composição da sua arte que foi enorme.

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