Carta a F.
És tu quem me conduz, és tu quem
me alumia,
Para mim não desponta a aurora,
não é dia,
Se não vejo os dois sóis azuis do
teu olhar.
Deixei-te há pouco mais dum mês, ?
mês secular
E nessa noite imensa, ah, digo-te
a verdade,
Iluminou-me sempre o luar da
saudade.
E nesses montes nus por onde eu
tenho andado,
Trágicos vagalhões dum mar
petrificado,
Sempre adiante de mim dentre a
aridez selvagem,
Vi como um lírio branco erguer-se
a tua imagem.
Nunca te abandonei! Nunca me abandonaste!
És o sol e eu a sombra. És a flor
e eu a haste.
Na hora em que parti meu coração
deixei-o
Na urna virginal desse divino
seio,
E o teu sinto-o eu aqui a bater de
mansinho
Dentro em meu peito, como uma rola
em seu ninho!
in, Poesias Dispersas
Julga-se que esta "Carta a F." foi dirigida pelo grande Poeta de Freixo de Espada à Cinta a sua mulher, que idolatrava, Filomena Augusta da Silva Neves, revendo-se nos sóis azuis que foram para Guerra Junqueiro o luar da saudade, quando se ausentava do seu lar.
Nunca te abandonei! Nunca me abandonaste!
É um idílio que hoje, neste tempos em que parece terem morrido idílios assim, bem precisavam de ser retomados para bem de uma sociedade entontecida no - pega e larga como se as pessoas fossem objectos descartáveis - pelo que lembrar esta carta de amor de Guerra Junqueiro, se nada possa vir a acrescentar a um viver de almas ardentes, em que uma possa ser - sol - e a outra - sombra - esta última não se importe de não procurar ter tanta luz, por saber que vai encontra na outra, o sol da vida.
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