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sexta-feira, 4 de março de 2016

Um soneto de Fernando Pessoa



A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

(Fernando Pessoa)
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Dos génios há sempre algo a tirar, como se neles existisse um poço sem fundo e do qual é sempre possível tirar - não água - mas algum dos pedaços do génio que eles nos legaram. como acontece com o insigne Poeta da "MENSAGEM", que teve a arte de, para além desse poema glorioso do passado de Portugal, em que apologeticamente, tenta dar sentido à grandeza decaída, já no seu tempo, nos ter deixado as suas próprias mensagens, como esta que é traduzida por este soneto.

Lê-se e ficamos, como ele, a pensar na criança que todos fomos...e, quantas vezes a nossa realidade adulta não se vira para aquela que tivemos em crianças, e temos vontade de ir buscar às velhas recordações vivenciais - que não se podem viver jamais - resquícios do tempo em que fomos assim...

É, por isso, que dos génios algo fica para sempre!

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