Na Missa do Domingo de Ramos, hoje celebrada, a Igreja insere no Ofício Litúrgico o Salmo 21, em cujos primeiros versos o salmista entoa a bem conhecida pergunta de Jesus pregado na Cruz: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?
Salmo 21 - A PAIXÃO DO JUSTO (Is 53)
Salmo individual de súplica. Exprime de tal forma a
experiência do sofrimento, que se tornou modelo de densidade religiosa. Segundo
Mt 27,46 e Mc 15,34, Jesus terá utilizado as primeiras palavras deste salmo
como oração suplicante quando se encontrava na cruz. Vários outros versículos
são aproveitados na narração da Paixão de Jesus (Mt 27,35.43.46). Por isso,
este salmo ficou profundamente ligado à Cristologia. Na tradição cristã foi
ganhando um timbre quase messiânico. Mas a sua possível ressonância messiânica
está ligada à leitura especificamente cristã que dele se fez, pois depende da
mais profunda valorização teológica do sofrimento pessoal; ora este era um
aspecto menos notório no messianismo real.
1Ao Director do coro. Pela
melodia «A corça da aurora».
Salmo de David.
2Meu Deus, meu Deus, porque me
abandonaste,
rejeitando o meu lamento, o meu
grito de socorro?
3Meu Deus, clamo por ti durante
o dia e não me respondes;
durante a noite, e não tenho
sossego.
4Tu, porém, és o Santo
e habitas na glória de Israel.
5Em ti confiaram os nossos pais;
confiaram e Tu os libertaste.
6A ti clamaram e foram salvos;
confiaram em ti e não foram
confundidos.
7Eu, porém, sou um verme e não
um homem,
o opróbrio dos homens e o
desprezo da plebe.
8Todos os que me vêem escarnecem
de mim;
estendem os lábios e abanam a
cabeça.
9«Confiou no SENHOR, Ele que o
livre;
Ele que o salve, já que é seu
amigo.»
10Na verdade, Tu me tiraste do
seio materno;
puseste-me em segurança ao peito
de minha mãe.
11Pertenço-te desde o ventre
materno;
desde o seio de minha mãe, Tu és
o meu Deus.
12Não te afastes de mim, porque
estou atribulado
e não há quem me ajude.
13Rodeiam-me touros em manada;
cercam-me touros ferozes de
Basan.
14Abrem contra mim as suas
fauces,
como leão que despedaça e ruge.
15Fui derramado como água;
e todos os meus ossos se
desconjuntaram;
o meu coração tornou-se como
cera
e derreteu-se dentro do meu
peito.
16A minha garganta secou-se como
barro cozido
e a minha língua pegou-se-me ao
céu da boca;
reduziste-me ao pó da sepultura.
17Estou rodeado por matilhas de
cães,
envolvido por um bando de
malfeitores;
trespassaram as minhas mãos e os
meus pés:
18posso contar todos os meus
ossos.
Eles olham para mim cheios de
espanto!
19Repartem entre si as minhas
vestes
e sorteiam a minha túnica.
20Mas Tu, SENHOR, não te afastes
de mim!
És o meu auxílio: vem
socorrer-me depressa!
21Livra a minha alma da espada,
e, das garras dos cães, a minha
vida.
22Salva-me da boca dos leões;
livra-me dos chifres dos
búfalos.
23Então anunciarei o teu nome
aos meus irmãos
e te louvarei no meio da
assembleia.
24Vós, que temeis o SENHOR,
louvai-o!
Glorificai-o, descendentes de
Jacob!
Reverenciai-o, descendentes de
Israel!
25Pois Ele não desprezou nem
desdenhou a aflição do pobre,
nem desviou dele a sua face;
mas ouviu-o, quando lhe pediu
socorro.
26De ti vem o meu louvor na
grande assembleia;
cumprirei os meus votos na
presença dos teus fiéis.
27Os pobres comerão e serão saciados;
louvarão o SENHOR, os que o
procuram.
«Vivam para sempre os vossos
corações.»
28Hão-de lembrar-se do SENHOR e
voltar-se para Ele
todos os confins da terra;
hão-de prostrar-se diante dele
todos os povos e nações,
29porque ao SENHOR pertence a
realeza.
Ele domina sobre todas as
nações.
30Diante dele hão-de prostrar-se
todos os grandes da terra;
diante dele hão-de inclinar-se
todos os que descem ao pó
e assim deixam de viver.
31Uma nova geração o servirá
e narrará aos vindouros as
maravilhas do Senhor;
32ao povo que vai nascer dará a
conhecer a sua justiça,
contará o que Ele fez.
Este salmo é um dos maiores textos bíblicos.
Ao lembrá-lo, no momento da agonia, Jesus quis provar que a
parte humana da sua presença entre os homens não era diferente da de todos os
seus irmãos sofredores, - e, por isso, no momento final quis deixar a prova de
ter sido, nessa parte, um companheiro que viveu e sofreu como os demais - mas a
parte do Deus incarnado que n'Ele viveu estaria presente para todo o sempre e
é, por isso que ao dirigir-se ao Pai, lhe diz:
De ti vem o meu louvor na grande assembleia;
cumprirei os meus votos na presença dos teus fiéis.
Não se ignora, contudo, o abandono de que muitos místicos
falam, como a zombaria, as hostiilidades sofridas e o desprezo dos chefes do
povo, mas, o que ressaltou, por fim, não foi o abandono a uma morte sem
regresso, porque estava escrito que Ele havia de ressuscitar e aparecer aos
discípulos para que eles testemunhassem o grande Mistério, pelo que o salmista
- poeta e cantor - o que nos quis deixar como herança é que n'Aquele
Crucificado que deplorava o seu abandono, a sua Natureza carnal fez as perguntas
que todos fazemos como símbolos das nossas próprias interrogações acerca
daquilo que não compreendemos, mas cuja resposta - e esta é-nos dada pele
divindade de Jesus para a qual os verdugos não encontraram pregos para a
crucificarem - na segunda Carta a Timóteo (4, 18): O Senhor me livrará de todo o
mal e me levará a salvo para o seu Reino celeste. A Ele, a glória, pelos
séculos dos séculos. Ámen!
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