NO DESERTO
Chegaram os camelos junto ao
poço,
Quando Rebeca tinha a urna
cheia.
Foram momentos esses de
alvoroço,
Bem raros de encontrar em terra
alheia.
Também meu coração, menino moço,
Nos cardos do caminho se
golpeia.
Ouço-te os passos, dentro de
alma eu ouço
O eco dos teus passos sobre a
areia.
Busquei-te no deserto
longamente...
Como Rebeca outrora, condoída,
Surgiste, calma, na poeira
ardente.
De ânfora baixa, à boca da
cisterna,
Ficaste assim, para toda a tua
vida,
Matando a minha sede, que é
eterna!
António Sardinha
in, "Quando as Nascentes
Despertam"
António Sardinha, um vulto do "Integralismo Lusitano", notável prosador e poeta, neste poema, foi buscar à figura bíblica de Rebeca a sua inspiração, e ao rever-se em Isaque, sonhou o casamento com a figura da mulher ali aflorada.
Diz um costume antigo que deixou raízes entre o povo de qualquer Continente, que um hábito que havia entre os jovens solteiros, fazia que um deles - o Isaque - andasse à procura da sua Rebeca, pois pela leitura bíblica o que se depreende é que foi pela providência de Deus que Isaque e Rebeca se uniram, evidenciando-se Eliezer, o servo fiel de Abraão que havia sido enviado com o
propósito de trazer uma noiva para o filho de seu senhor, oriunda de sua terra
e do meio de sua parentela, como era costume nos tempos antigos.
Ainda, segundo o mesmo relato bíblico Rebeca a figura que protagonizou esta
história, revelou qualidades que se destacaram e que servem de exemplo paras as
jovens que se pretendem casar sob a orientação de Deus e de acordo com a Sua
vontade.
Coisas antigas, hoje, tidas como velharias, mas sem se saber se o bem que se perdeu ao dar novos ares à sociedade a tornou melhor.
Coisas antigas, hoje, tidas como velharias, mas sem se saber se o bem que se perdeu ao dar novos ares à sociedade a tornou melhor.
Foi este costume que António Sardinha quis relembrar neste seu soneto em que o "Deserto" de que nos fala é a solidão que o fazia andar à procura da sua Rebeca a quem ele, num arroubo lírico lhe põe na mão a urna cheia, ou seja, o jarro cheio de água para lhe dar, acto que o leva a dizer: Busquei-te no deserto longamente, e, de novo o seu pensamento vai para a velha heroína bíblica: Como Rebeca, outrora, condoída / Surgiste, calma, na poeira ardente... para concluir, que naquela postura, ela ficou... para lhe matar a sede... que é eterna... algo que todos devíamos sentir.
Ler António Sardinha é ir ao fundo de um tempo que vale a pena relembrar, em que aspectos sócio-culturais, como o do nacionalismo e de algum catolicismo puro que se perderam, mereciam ser atendidos - mesmo o do seu antirepublicanismo - que o levou a exilar-se, sem contudo, ter perdido o seu pendor poético bem patente em "A Epopeia da Planície" do seu amado Alentejo.
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