No dia ontem - 7 de Março - no no longínquo ano de 1797, o Poeta Bocage foi transferido do Limoeiro para as masmorras da Inquisição do Palácio dos Estaus, para no ano seguinte ser entregue aos monges benedetinos do Mosteiro de S. Bento da Saúde e, depois aos clérigos de S. Filipe Néri.
Caído em desgraça e com D. Maria I impotente para dirigir os negócios do Reino, Bocage sofre as iniquidades do todo-poderoso Intendente Pina Manique, que tendo proibido no Reino os livros de Diderot, Voltaire, Rousseau, tendo posto de vigia a sua polícia conhecida pelos "Moscas" pelos cafés e sítios públicos, estes não tardaram em denuncias Bocage, regressado a Portugal em 1790, tendo deixado na sua peugada estrangeira uma experiência vivida com culturas díspares, onde avultavam os ares revolucionários que já se adensavam em França.
Não tardou, por isso, a sua prisão no Limoeiro, que pôs termo às suas noitadas no "Café Nicola" e noutros locais, como "O Botequim das Parras, pondo termo às suas poesias picarescas contra o clero e pessoas do regime e tipos sociais, onde avultaram composições como: "Pavorosa Ilusão da Eternidade" - "Liberdade, onde Estás?" - "Liberdade querida e Suspirada" e onde não faltaram alusões à figura libertária de Napoleão.
Viveu ali três anos nas piores condições humanas como era timbre dos que caiam naquela sinistra prisão até ser transferido para outras masmorras não menos impiedosas como eram os cárceres da Inquisição, no Palácio dos Estaus - onde hoje está implantado o Teatro D. Maria II - e, depois, para o Mosteiro de São Bento da Saúde, em 1798.
Este Mosteiro, deu , com a extinção das Ordens Religiosas deu lugar ao Palácio das Cortes e é , na actualidade, o edifício que após obras profundas de remodelação, onde funciona a Assembleia da República Portuguesa.
Postal da época ilustrado o Mosteiro de São Banto da Saúde
O motivo que levou a Inquisição a transferir Bocage para o Mosteiro de Sâo Bento da Saúde, dedicado a Nossa Senhora da Saúde, há quem defenda que teria sido algum arrependimento de carácter anticlerical de Bocage, algo que ficará como uma nebulosa no tempo ou, então, que teria sido por motivos da abalada saúde de Bocage, neste andar de "Herodes para Pilatos", que terminou no Hospício de Nossa Senhora das Necessidades dos clérigos de S. Filipe Néri, de onde veio a recuperar a liberdade perdida, pela acção do Ministro José de Seabra e Silva, para viver os anos que lhe restavam da sua vida atribulada até 1805, quando aquele que a si mesmo se chamou "Aretino" entregou a sua alma a Deus, deixando-nos o formoso e comovente retracto da sua vida neste celebrado soneto:
Aconteceu com Bocage o que tem acontecido com grandes vultos da História Universal ao expressar na hora derradeira algum arrependimento de horas vividas na loucura e frivolidade da juventude - ou até na idade adulta - assemelhando-se - naquela hora a Dimas o companheiro no Calvário de Jesus Cristo e, como o arrependido do Calvário ter voado ao encontro do Mistério de Deus.
Soneto Ditado na Agonia
Já Bocage não sou!... À cova
escura
Meu estro vai parar desfeito em
vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu
tormento
Leve me torne sempre a terra
dura;
Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco
intento:
Musa!... Tivera algum
merecimento
Se um raio da razão seguisse
pura.
Eu me arrependo; a língua quase
fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico
corria:
Outro Aretino fui... a santidade
Manchei!... Oh! Se me creste,
gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na
eternidade!.
Bocage, in 'Rimas'
Aconteceu com Bocage o que tem acontecido com grandes vultos da História Universal ao expressar na hora derradeira algum arrependimento de horas vividas na loucura e frivolidade da juventude - ou até na idade adulta - assemelhando-se - naquela hora a Dimas o companheiro no Calvário de Jesus Cristo e, como o arrependido do Calvário ter voado ao encontro do Mistério de Deus.
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