Discurso integral do Presidente da República Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, na tomada de posse, m 9 de Março de 2016.
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Portugal é a
razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir.
Aqui nasci, aqui
aprendi com meus Pais a falar a língua que nos une e une a centenas de milhões
por todo o mundo.
Aqui eduquei os
meus filhos e espero ver crescer os meus netos.
Aqui se criaram e
sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos
ligam a todos os Portugueses. Amor à terra, saudade, doçura no falar, comunhão
no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos
instantes decisivos.
É para Portugal,
para cada Portuguesa e para cada Português que vai o meu primeiro e decisivo
pensamento.
Feito de memória,
lealdade, afecto, fidelidade a um destino comum.
Senhor Presidente
da Assembleia da República, Senhor Dr. Eduardo Ferro Rodrigues,
Na pessoa de
Vossa Excelência, saúdo a representação legítima e plural da vontade popular
expressa na Assembleia da República. E garanto a solidariedade institucional
indefectível entre os dois únicos órgãos de soberania fundados no voto
universal e directo de todo o Povo que somos.
Senhor Professor
Doutor Aníbal Cavaco Silva,
Ao percorrer, num
imperativo exercício de memória, a longa e singular carreira de serviço à
Pátria de Vossa Excelência – com uma década na chefia do Governo e uma década
na chefia do Estado, que, largamente, definiram o Portugal que temos – entendo
ser estrito dever de justiça – independentemente dos juízos que toda a vivência
política suscita – dirigir a Vossa Excelência uma palavra de gratidão pelo empenho
que sempre colocou na defesa do interesse nacional – da óptica que se lhe
afigurava correcta, é certo – mas sacrificando vida pessoal, académica e
profissional em indesmentível dedicação ao bem comum.
Senhor General
António Ramalho Eanes e Senhor Dr. Jorge Sampaio,
A presença de
Vossas Excelências é símbolo da continuidade e da riqueza da nossa Democracia,
linhagem na qual também se insere o Senhor Dr. Mário Soares.
Democracia que se
enobrece com a presença de três ilustres convidados estrangeiros que nos
honram, ao aceitarem os convites pessoais que formulei, correspondentes a
coordenadas essenciais da nossa política externa.
Da origem
nacional, convertida em exemplares vizinhança, irmandade e cumplicidade
europeias, na pessoa de Sua Majestade o Rei Filipe VI.
Da vontade de
construir um novo futuro assente numa eloquente e calorosa fraternidade, e
comunidade de destino, na pessoa de Sua Excelência o Presidente Filipe Nyusi.
Da constante
afirmação do nosso empenho numa Europa unida e solidária, na pessoa de Sua
Excelência o Presidente Jean-Claude Juncker. Acresce a esta dimensão de Estado
uma outra, pessoal, em que se juntam respeito, laços antigos e grata amizade.
Senhor Presidente,
Senhoras e
Senhores Deputados,
Escreveu um Herói
Português do Século XIX que “este Reino é obra de soldados”. Assim foi, na
verdade, desde a fundação de Portugal, atestada em Zamora e reconhecida urbi et
orbi pela Bula “Manifestis Probatum est”.
Nas batalhas da
expansão continental ou da defesa e restauração da independência, como nas
epopeias marítimas ou, nos nossos dias, nas missões de paz, ou humanitárias,
dentro e fora da Europa. Com as nossas Forças Armadas sempre fiéis a Portugal.
Assim foi,
também, em 25 de Abril de 1974, com os jovens capitães, resgatando a liberdade,
anunciando a Democracia, permitindo converter o Império Colonial em Comunidade
de Povos e Estados independentes, prometendo a paz, o desenvolvimento e a
justiça para todos.
A quantos –
militares e civis – fizeram o Portugal de sempre, como, de modo particular, a
quantos – civis e militares – construíram a República Democrática devemos aqui
estar, eleitos pelo Povo, em cumprimento da Constituição.
Digo bem, a
Constituição. Neste mesmo hemiciclo, discutida e aprovada no meio de uma
Revolução. E promulgada há quase quarenta anos, no dia 2 de Abril de 1976.
Recordo, com
emoção, esses tempos inesquecíveis, em que, jovem constituinte, juntei a minha
voz e o meu voto a tantos mais, vindos de quadrantes tão diversos, tendo
percorrido caminhos tão variados, havendo somado anos ou mesmo décadas de luta
ao combate do momento.
Para que pudesse
nascer a Constituição que nos rege, e que foi sendo revista e afeiçoada a novas
eras.
Por isso, a Lei
Fundamental continua a ser o nosso denominador comum. Todos, nalgum instante,
contribuíram para, ao menos, uma parte do seu conteúdo.
Defendê-la,
cumpri-la e fazê-la cumprir é dever do Presidente da República.
E sê-lo-ia
sempre, mesmo que o tê-la votado, o ter acompanhado algumas das suas principais
revisões e o tê-la ensinado ao longo de 40 anos, não responsabilizassem
acrescidamente quem acaba de assumir perante vós as funções presidenciais.
O Presidente da
República será, pois, um guardião permanente e escrupuloso da Constituição e
dos seus valores, que, ao fim e ao cabo, são os valores da Nação que nos
orgulhamos de ser.
O valor do
respeito da dignidade da pessoa humana, antes do mais.
De pessoas de
carne e osso. Que têm direito a serem livres, mas que têm igual direito a uma
sociedade em que não haja, de modo dramaticamente persistente, dois milhões de
pobres, mais de meio milhão em risco de pobreza, e, ainda, chocantes diferenças
entre grupos, regiões e classes sociais.
Salvaguardar a
vida, a integridade física e espiritual, a liberdade de pensamento, de crença e
de expressão e o pluralismo de opinião e de organização é um dever de todos
nós.
Como é lutar por
mais justiça social, que supõe efectiva criação de riqueza, mas não se satisfaz
com a contemplação dos números, quer chegar às pessoas e aos seus direitos e
deveres.
Valores
matriciais da Constituição são, de igual modo, os da identidade nacional, feita
de raízes na nossa terra e no nosso mar, mas de vocação universal – plataforma
que constituímos entre continentes e, sobretudo, entre culturas e civilizações.
Raízes nesta
terra e neste mar, que formam um verdadeiro arquipélago com três vértices –
Continente, Açores e Madeira –, e abarca o Oceano que nos fez e faz grandes.
Daí o podermos e devermos continuar a assumir o Mar como prioridade nacional.
Prioridade nascida de uma geoestratégica e, sobretudo, de uma vocação universal
– como escrevia António Lobo Antunes: “se a minha terra é pequena, eu quero
morrer no mar”.
Vocação
universal, de Nação repartida pelos cinco continentes, em que mais de metade de
nós, entre nacionais e descendentes, vive a criar Portugais fora do nosso
território físico, mas dentro do nosso território espiritual.
Vocação
universal, no abraço que nos liga aos povos irmãos, que partilham a nossa
língua, numa comunidade aberta e inclusiva.
Vocação
universal, em que a História se junta à Geografia, e em que o sermos europeus
no ponto de partida e na firme vontade de participarmos na unidade europeia se
enriquece com o sermos transatlânticos e, mais do que isso, podermos aproximar
gentes e falas e economias e sociedades as mais distintas, sem xenofobias,
intolerâncias, complexos de falsa superioridade ou de incompreensível
inferioridade.
Em suma,
identidade nacional feita de solo e sangue, e aposta na Língua, na Educação, na
Ciência, na Cultura, na capacidade de saber conjugar futuro com passado, sem
medo de enfrentar o presente.
Uma identidade
vivida em Estado de Direito Democrático, representativo, mas também
participativo e referendário. Plural e fraterno. Respeitador da soberania
popular, da separação e conjugação de poderes, da independência da Justiça, da
autonomia político-legislativa dos Açores e da Madeira e da autonomia
administrativa do Poder Local.
Zeloso na
protecção das liberdades pessoais e políticas, mas apostado na afirmação dos
direitos económicos, sociais e culturais. E, por isso, Estado Social de
Direito.
Em que a
criatividade da iniciativa privada se conjuga com o relevante Sector Social, e
tem sempre presente que o poder económico se deve subordinar ao poder político
e não este servir de instrumento daquele.
Dito de outra
forma, o poder político democrático não deve impedir, nos seus excessos
dirigistas, o dinamismo e o pluralismo de uma sociedade civil –
tradicionalmente tão débil entre nós –, mas não pode demitir-se do seu papel
definidor de regras, corrector de injustiças, penhor de níveis equitativos de
bem-estar económico e social, em particular, para aqueles que a mão invisível
apagou, subalternizou ou marginalizou.
É no quadro desta
Constituição – que, como toda a obra humana, não é intocável, mas que exige
para reponderação consensos alargados, que unam em vez de dividir – que temos,
pela frente, tempos e desafios difíceis a superar.
Temos de saber
compaginar luta, no plano universal, pelos mesmos valores que nos regem –
dignidade da pessoa, paz, justiça, liberdade, desenvolvimento, equidade
intergeracional ou valorização do ambiente – com a defesa da reforma de
instituições que se tornem notoriamente desajustadas ou insuficientes.
Temos de ser
fiéis aos compromissos a que soberanamente nos vinculámos – em especial, aos
que correspondem a coordenadas permanentes da nossa política externa, como a
União Europeia, a CPLP e a Aliança Atlântica –, nunca perdendo a percepção de
que, também quanto a elas, há sinais de apelo a reflexões de substância, de
forma, ou de espírito solidário, num contexto muito diverso daqueles que
testemunharam as suas mais apreciáveis mudanças. Os desafios dos refugiados na
Europa, da não discriminação económica e financeira na CPLP e das fronteiras da
Aliança Atlântica, são apenas três exemplos, de entre muitos, de questões
prementes relevantes, mesmo se incómodas.
Temos de sair do
clima de crise, em que quase sempre vivemos desde o começo do século, afirmando
o nosso amor-próprio, as nossas sabedoria, resistência, experiência, noção do
fundamental.
Temos de ir mais
longe, com realismo mas visão de futuro, na capacidade e na qualidade das
nossas Educação e Ciência, mas também da Saúde, da Segurança Social, da Justiça
e da Administração Pública e do próprio sistema político e sua moralização e
credibilização constantes, nomeadamente pelo combate à corrupção, ao
clientelismo, ao nepotismo.
Temos, para
tanto, de não esquecer, entre nós como na Europa a que pertencemos, que, sem
rigor e transparência financeira, o risco de regresso ou de perpetuação das
crises é dolorosamente maior, mas, por igual, que finanças sãs desacompanhadas
de crescimento e emprego podem significar empobrecimento e agravadas injustiças
e conflitos sociais.
Temos de
cicatrizar feridas destes tão longos anos de sacrifícios, no fragilizar do
tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão entre hemisférios
políticos.
Tudo indesejável,
precisamente em anos em que urge recriar convergências, redescobrir diálogos,
refazer entendimentos, reconstruir razões para mais esperança.
Temos de reforçar
o sentido de pertença a uma Pátria, que é a mesma para todos e perante a qual
só há – ou deve haver – Portugueses de igual dignidade e estatuto.
São difíceis,
complexos, envoltos em incógnitas os reptos evocados?
Obrigam a
trabalhos reforçados perante um mundo incerto, uma Europa a braços com tensões
novas em solidariedades internas e externas, finanças públicas a não
comportarem temeridades, sistema financeiro que previna em vez de remediar e
não crie ostracismos ou dependências contrárias ao interesse nacional, política
a ensaiar fórmulas novas, exigência de respostas mais claras, mais rápidas e
mais equitativas?
Sem dúvida.
Depois da
transição da revolução para o constitucionalismo, da estabilização da
democracia partidária, da adesão europeia e da adopção do euro, das
expectativas elevadas da viragem do século e das frustrações, entretanto,
vividas, bem como da resposta abnegada dos Portugueses, esperam-nos cinco anos
de busca de unidade, de pacificação, de reforçada coesão nacional, de encontro
complexo entre democracia e internacionalização estratégica, dentro e fora de
fronteiras e entre crescimento, emprego e justiça social de um lado, e
viabilidade financeira do outro, de criação de consonâncias nos sistemas sociais
e políticos, de incessante construção de uma comunidade convivial e solidária.
Nunca perdendo a
Fé em Portugal e na nossa secular capacidade para vencer as crises.
Nunca descrendo
da Democracia.
Nunca deixando
morrer a esperança.
Nunca esquecendo
que o que nos une é muito mais importante e duradouro do que aquilo que nos
divide.
Persistindo
quando a tentação seja desistir.
Convertendo
incompreensões em ânimo redobrado.
Preferindo os
pequenos gestos que aproximam às grandes proclamações que afastam.
Com honestidade.
Com paciência. Com perseverança. Com temperança. Com coragem. Com humildade.
É, arrimado a
estes valores e animado destes propósitos, que inicia o seu mandato o quinto
Presidente da República livremente eleito em Democracia.
E, porque,
livremente eleito pelo voto popular, Presidente de todos sem excepção.
Um Presidente que
não é nem a favor nem contra ninguém. Assim será politicamente, do princípio ao
fim do seu mandato.
Mas, socialmente,
a favor do jovem que quer exercitar as suas qualificações e, debalde, procura
emprego.
Da mulher que
espera ver mais reconhecido o seu papel num mundo ainda tão desigual.
Do pensionista ou
reformado que sonhou, há trinta ou quarenta anos, com um 25 de Abril que não
corresponde ao seu actual horizonte de vida.
Do cientista à
procura de incentivos sempre adiados.
Do agricultor, do
comerciante, do industrial, que, dia a dia, sobrevive ao mundo de obstáculos
que o rodeiam.
Do trabalhador
por conta de outrem ou independente, que paga os impostos que vão sustentando
muito dos sistemas que legitimamente protegem os que mais sofrem no nosso
Estado Social.
Do novo e ousado
talento que vai mudando a nossa sociedade e a nossa economia.
Da IPSS, da
Misericórdia, da instituição mais próxima das pessoas – nas Regiões Autónomas e
nas Autarquias –, que cuida de muitos, de quem ninguém mais pode cuidar melhor.
Do que, no
interior ainda distante, nas Ilhas, às vezes esquecidas, nas Comunidades que
povoam o mundo, é permanente retrato da nossa tenacidade como Nação.
De todos estes e
de muitos mais.
O Presidente da
República é o Presidente de todos.
Sem promessas
fáceis, ou programas que se sabe não pode cumprir, mas com determinação constante.
Assumindo, em plenitude, os seus poderes e deveres.
Sem querer ser
mais do que a Constituição permite.
Sem aceitar ser
menos do que a Constituição impõe.
Um servidor da
causa pública. Que o mesmo é dizer, um servidor desta Pátria de quase nove séculos.
Pátria que nos
interpela a cada passo. Exigindo muito mais e muito melhor.
Mas a resposta
vem de um dos nossos maiores, Miguel Torga. Que escreveu em 1987, vai para
trinta anos:
“O difícil para
cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos olhar-nos a frio
no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista. Daí a espécie de obscura
inocência com que atuamos na História. A poder e a valer, nem sempre temos
consciência do que podemos e valemos. Hipertrofiamos provincianamente as capacidades
alheias e minimizamos maceradamente as nossas, sem nos lembrarmos sequer que
uma criatura só não presta quando deixou de ser inquieta. E nós somos a própria
inquietação encarnada. Foi ela que nos fez transpor todos os limites espaciais
e conhecer todas as longitudes humanas…
…Não somos um
povo morto, nem sequer esgotado. Temos ainda um grande papel a desempenhar no
seio das nações, como a mais ecuménica de todas. O mundo não precisa hoje da
nossa insuficiente técnica, nem da nossa precária indústria, nem das nossas
escassas matérias-primas. Necessita da nossa cultura e da nossa vocação para o
abraçar cordialmente, como se ele fosse o património natural de todos os
homens.”
Pode soar a muito
distante este retrato, quando se multiplicam, na ciência, na técnica, na
criação da riqueza, tantos exemplos da inventiva portuguesa, entre nós ou nos
confins do universo.
E, no entanto,
Torga viu o essencial.
O essencial, é
que continuamos a minimizar o que valemos.
E, no entanto,
valemos muito mais do que pensamos ou dizemos.
O essencial, é
que o nosso génio – o que nos distingue dos demais – é a indomável inquietação
criadora que preside à nossa vocação ecuménica. Abraçando o mundo todo.
Ela nos fez como
somos.
Grandes no
passado.
Grandes no
futuro.
Por isso, aqui
estamos.
Por isso, aqui
estou.
Pelo Portugal de sempre
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