Neste Domingo - em Ano da Misericórdia - conforme decretou o Papa Francisco, a Igreja católica universal faz ouvir no Evangelho do Apóstolo S. Lucas, a parábola do Filho Pródigo, uma das mais conhecidas de todos os Evangelhos e que reflecte a misericórdia que Deus tem para com todos os arrependidos.
A este texto alguns exegetas chamam-lhe a parábola do pai misericordioso.
A este texto alguns exegetas chamam-lhe a parábola do pai misericordioso.
..............................................................................................................
Aproximavam-se
dele todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. Mas os
fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores
e come com eles.» Jesus
propôs-lhes, então, esta parábola: Certo homem tinha dois filhos. O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a
parte dos bens que me toca. Repartiu-lhes, pois, os seus haveres. Poucos dias
depois, o filho mais moço ajuntando tudo, partiu para um país distante, e ali
desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. E, havendo ele dissipado
tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a passar necessidades.
Então foi encontrar-se a um dos cidadãos daquele país, o qual o mandou para os
seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o estômago com as alfarrobas
que os porcos comiam; e ninguém lhe dava nada. Caindo, porém, em si, disse:
Quantos empregados de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!
Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e
diante de ti; já não sou digno de ser
chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados. Levantou-se, pois, e
foi para seu pai. Estando ele ainda longe, seu pai o viu, encheu-se de compaixão
e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. Disse-lhe o filho: Pai,
pequei conta o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.
Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lha, e
ponde-lhe um anel no dedo e alparcas nos pés;
trazei também o bezerro, cevado e matai-o; comamos, e regozijemo-nos,
porque este meu filho estava morto, e reviveu; tinha-se perdido, e foi achado.
E começaram a regozijar-se. Ora, o seu filho mais velho estava no campo; e
quando voltava, ao aproximar-se de casa, ouviu a música e as danças; e chegando um dos servos, perguntou-lhe que
era aquilo. Respondeu-lhe
este: Chegou teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são
e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar. Saiu então o pai e instava
com ele. Ele, porém, respondeu ao pai: Eis que há tantos anos te sirvo, e nunca
transgredi um mandamento teu; contudo nunca me deste um cabrito para eu me
regozijar com meus amigos; vindo, porém,
este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o
bezerro cevado. Replicou-lhe o pai: Filho, tu sempre estás comigo, e tudo o que
é meu é teu; era justo, porém,
regozijarmo-nos e alegramo-nos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu;
tinha-se perdido, e foi achado. (Lc 15, 1-3, 11-32)
Esta parábola, conjuntamente
com a da ovelha e a da dracma perdidas, constitui o tríduo das parábolas da
misericórdia de Jesus, recolhidas por S. Lucas.
Jesus abarca,
entre outras, quatro questões fundamentais:
1 - a vivência do
homem numa sociedade sem valores.
2 - a certeza de
que, quem pede, alcança.
3 - a confissão
do pecado.
4 - pôr-se a
caminho na esperança de ser perdoado.
Diz o texto que o
filho mais novo tendo juntado tudo o que fazia parte da herança do pai, partiu
para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, vivendo
dissolutamente, donde se percebe que o meio social não lhe foi favorável, a
ponto de o ter enredado numa teia falha de valores morais, ao arrepio dos que
recebera em casa do pai através duma educação honrada que fazia do trabalho uma
fonte de moralização dos costumes.
E este passo
vivido por aquele gastador em vícios de má sorte é um retrato que descobre a
pobreza e é causa de todos os males, pondo muita gente honesta - como ele era -
a passar fome, tendo a montante dos problemas criados entre outras, três
questões sociais, a primeira, religiosa por ter principiado pela negação das
leis de Deus, a segunda situada no campo
da moral por afectar as relações entre os homens e os deveres que devem existir
entre eles e, finalmente, a terceira, focada no campo da economia material,
como aconteceu com o pródigo, gastando a riqueza recebida sem cuidar que
naquela atitude estava a malbaratar a própria dignidade humana, tão necessária
ao equilíbrio espiritual.
Tudo isto
aconteceu com o pródigo naquela sociedade sem Deus.
Tendo, de acordo
com o texto evangélico, tendo sobrevivido a fome naquela terra distante, o
pródigo, gastos que estavam todos os bens, deu em procurar um emprego que fosse
digno da educação recebida, o que não conseguiu, tendo por fim alcançado um
lugar de pastor de porcos, onde o trato destes era superior àquele que lhe era
dispensado, bem de acordo com a falta de moral e doutrina daquele patrão que
maltratava desta maneira a sua miséria.
Bem desejava ele
encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas
dava.
Naquela sociedade
não havia nem justiça, nem caridade, os dois pólos donde irradia a paz social
que só existe a começar pelo usufruto da justiça plena, como há muitos séculos
o sustentou Isaías ao preconizar uma era verdadeiramente feliz pela
transformação da sociedade de Israel, dizendo: Efeito da justiça será a paz e
obra do direito uma tranquilidade e segurança para sempre.
Ao pensar naquele
patrão impiedoso, lembrou-se o pródigo de uma verdade: o mal não estava naquilo
que ele possuía mas naquilo de que ele abusava, sem respeito por Deus nem pelo
próximo, donde a lembrança do pai passou a agigantar-se, porque lá, os
empregados tinham pão em abundância e ele estava aos poucos a morrer de fome.
Neste passo,
chegamos ao cerne da parábola.
É o Coração de
Cristo que chega ao nosso entendimento através do problema criado pelo
esbanjador, não se devendo deixar cair nenhuma das lições, nem qualquer
pormenor.
Entrou este em
profunda reflexão.
Lembrou-se de
tudo. Da forma altiva como pediu - ferindo o coração do pai - a parte da
herança que lhe cabia e como em estroinices e com costumes devassos se
arruinou.
Foi, então, que aquele coração de pedra
tornado um ingrato e coberto de vergonha se encheu de uma formidável coragem
evangélica e tendo entrado dentro de si mesmo onde uma luz escreveu em letras
redondas bem dentro da sua alma o ensinamento divino: pedi e recebereis, pensou
em regressar a casa.
Sem andar um
metro que fosse, deu um passo de gigante.
Jesus aponta
deste modo o caminho da regeneração, sendo necessário e absolutamente
indispensável o arrependimento.
Até ali o pródigo
era um vulcão incandescente a soltar pelos monte abaixo do desnorte as lavas do
pecado de uma falsa felicidade, para naquele momento, tudo se conjugar para o
voltar do avesso e fazer regressar para dentro de si, aquietado e calmo o
vulcão em que transformara a sua vida.
Lá longe, o pobre
pai consumia-se em orações, pedindo a Deus por aquele filho, do qual dizia
muitas vezes: ele é bom e há-de voltar quando vir o mal que fez. Ele há-de
considerar em todos os bens que perdeu.
Este pai é Deus.
Ele espera sempre
pelos filhos pródigos que O abandonaram.
E aqui, cabe por
inteiro a lamentação de Jesus sobre Jerusalém, que lhe foi tão ingrata ao ponto
de O abandonar: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que
te são enviados! Quantas vezes quis ajuntar os teus filhos, como a galinha
ajunta os pintainhos debaixo das asas, mas deixando ficar expressa a esperança,
de um dia, convertida, disser: Bendito o que vem em nome do Senhor!
Era daquele jeito
a esperança do pai do pródigo. Ele é bom e há-de voltar quando vir o mal que
fez. Ele há-de considerar em todos os bens que perdeu.
E ele considerava
e via tudo à distância.
Meu pai vai
receber-me.
E pôs-se a
caminho, num certo dia, levando no alforge das suas inquietações duas
determinações: a primeira, a de pedir perdão e a segunda, pelo facto, de já não
poder fazer parte do resto da fortuna da casa de seu pai, aceitar de bom grado
qualquer lugar que este lhe destinasse, donde não excluía o lugar de criado.
Levantar-me-ei e
irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e contra ti, já não
sou digno de ser chamado teu filho, trata-me como um dos teus jornaleiros.
Que bela é esta
oração!
Jesus quer
mostrar, ao falar deste modo, qual a atitude que deve ser tomada pelo
arrependido no acto da sua conversão, que se não existe sem a graça de Deus,
existe sempre n’Ele a graça de a oferecer a todo o homem transviado.
Chega,
finalmente, o pródigo aos subúrbios da aldeia.
Relata o texto
que o pai o viu ainda longe e se encheu de compaixão.
Percebeu de
imediato que aquele filho desencaminhado voltava para se retratar e pedir
perdão para as suas faltas, perdão que nunca lhe seria negado, porque era pai e sabia que para a sua crença era péssima
a morte do pecador. Abriu-lhe os braços e nem ouviu o filho quando ele disse:
já não sou digno de ser chamado teu filho.
Jesus mostra o
Coração de Deus: grande e misericordioso para com todos os homens sinceramente
arrependidos.
Há nas atitudes
do filho e do pai duas orações distintas: no filho a de arrependimento e na do
pai, de perdão infinito, como traduções fiéis do que deve ser a oração: a
elevação do espírito e do coração a Deus com o intuito de O glorificar e lhe
pedir ou agradecer.
Pedi e
recebereis, era a oração do filho.
Graças vos dou,
Senhor, porque este filho estava perdido e voltou, era a oração daquele pai que
todos os dias olhava o horizonte na esperança de ver o filho em qualquer vulto
que aparecesse ao longe.
Quando tal
aconteceu, aquele pai extravasando alegria manda matar um novilho e preparou
tudo para dar uma festa.
Diz o texto que o
filho mais velho estava no campo entregue às tarefas da lavoura e que ao chegar
a casa deparando com a alegria própria do banquete que estava em marcha, chamou
um dos servos a quem perguntou o significado de tanta azáfama: o teu irmão
voltou e teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo, foi a
resposta a que não faltou o pormenor de ter sido morto um vitelo gordo, logo um
dos melhores das manada.
Cheio de cólera
deu sinais de não querer entrar em casa, o que obrigou o pobre pai a vir fora e
pedir-lhe que mudasse de ideias.
Esta
impertinência foi a nota discordante daquela festa, onde o pai queria por o
sentido da comunhão, com o aumento da caridade para com Deus e com o próximo,
com a alegria de estar de volta um convertido ao lar paterno.
Jesus, bem sabia
como era preciso inculcar nas pessoas a caridade onde o Reino de Deus estivesse
presente em todo o seu esplendor, como sendo ela a maior de todas as virtudes
e, logo, havia de ter encontrado no outro dos seus filhos - que não perdoara ao
irmão - tamanha teimosia em aceitar de bom grado o seu regresso.
Jesus apostara
num mandamento novo que mandava amar antes de sermos amados, querendo, por
isso, emendar os antigos que haviam corrompido a lei primitiva e, ao invés,
amavam os amigos odiando os inimigos, grupo de pessoas onde estava o irmão que
saíra de casa, pela forma como respondeu ao pai: Há já tantos anos que te sirvo
sem nunca transgredir uma ordem tua e nunca deste um cabrito para me alegrar
com os meus amigos.
Para ele o irmão
era um inimigo.
Havia consumido a
fortuna com meretrizes.
Não merecia
aquela festa e, logo, com a matança do vitelo mais gordo.
Filho - disse-lhe
o pai - tu sempre estás comigo e o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma
festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava
perdido e encontrou-se.
Esta é a caridade
perfeita, feita de amor imaculado e que põe Deus a morar dentro do homem e que
S. João haveria de registar: Amemo-nos mutuamente, porque o amor vem de Deus e
todo aquele que ama é gerado por Deus e conhece a Deus.
A parábola do filho
pródigo é o mais perfeito exemplo da caridade cristã. Nela fica exposta a
grande revolução operada por Jesus, que desde então queria mudar o sentimento
do amor em relação ao próximo, sobretudo quando ele se arrepende de atitudes
impensadas, devendo merecer pelo seu acto nobre, todo o amor, como aconteceu
com o pai da parábola: tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este
teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e encontrou-se.
Aquele pai queria
acabar com o motivo da discórdia: a mim não me deste e a ele, que tudo
esbanjou, deste-lhe mais. Aquele pai percebeu desde logo a inveja do filho mais
velho e o ciúme que lhe corrompia a alma
e tudo fez para ele perceber a razão da festa.
Deus é o Pai da
parábola.
Vem, solícito
fora de casa rogar ao filho falho de caridade, que entre para dentro de casa a
fim de tomar parte no banquete prestes a começar.
Jesus responde
com esta benevolência a todos os fariseus que não viam bem o facto d’Ele entrar
e comer em casa de pecadores, fazendo-lhe sentir que todos os homens eram seus
irmãos, sendo absolutamente necessário que o filho mais velho que não encontrou
modos de se regozijar com a alegria do pai tomasse o seu lugar à mesa.
Todos somos
chamados a tomar o nosso lugar na festa de Família para onde o Pai nos chama,
sem excepção de nenhum, mas desejando que todos sejam convivas do mesmo
banquete.
A mesa está
posta.
Às críticas do
filho melindrado, pode dizer aquele pai extremoso, com modos brandos e
apaziguadores: Filho, tu está sempre comigo(...) uma frase lapidar que nos
deixa perceber o quanto havia de grandeza na sua alma daquele pai.
E todos os dias,
como acontecia com este pai da parábola, Deus olha os horizontes, na esperança
de ver chegar de longe ou perto todos aqueles que se perderam por caminhos
estreitos, como aconteceu com o pródigo, filho amado da Sua grande
misericórdia.
Sem comentários:
Enviar um comentário