Detenhamo-nos
um pouco sobre um excerto de um livro do século XVIII, que continua a ser pela
sua frieza analítica de uma verdade que nos devia inquietar, a nós que
continuamos a viver de vaidades humanas, um campo de lodo que devia ser
erradicado da nossa vida adulta de cidadãos interessados em construir um mundo,
mais de saber e menos de presunção.
Sendo o termo da vida limitado, não tem
limite a nossa vaidade; porque dura mais do que nós mesmos e se introduz nos
aparatos últimos da morte. Que maior prova que o fabrico de um elevado mausoléu?
No silêncio de uma urna depositarão os
homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes
imortais; querem que a sumptuosidade do túmulo sirva para inspirar veneração,
como se fossem relíquias as suas cinzas e que corra por conta dos jaspes a
continuação do respeito. Que frívolo cuidado! Esse triste resto daquilo que foi
um homem, já parece um ídolo colocado em um breve, mas soberbo domicílio que a
vaidade edificou para habitação de uma cinza fria, e desta declara a grandeza.
A vaidade se estende a enriquecer de adornos mesmo no horror da sepultura.
Vivemos com vaidade e com vaidade morremos
(…)
Mathias Aires Ramos da Silva de Eça (1) in, Sobre a Vaidade dos Homens ou Discursos
Morais sobre os Efeitos da Vaidade-Lisboa, 1786 – com Licença da Real Mesa
Censória (2)
Publicado com
licença da Real Mesa Censória – o que prova que a censura já era, então, uma actividade
com grande influência na vida política – julgando-se erecta em Portugal desde os tempos de D. Fernando, que terá
pedido ao Papa Gregório XI para que a instituísse a nível episcopal, donde esta
viria a condicionar, depois, a actuação
civil com a regulamentação de textos escritos, o autor Mathias Aires Ramos da
Silva de Eça, debruça-se sobre os efeitos da vaidade no comportamento dos
homens, concluindo que esta dura para além das suas vidas terrenas através dos
epitáfios que tendem a tornar os seus nomes vivos
para além da morte.
Vivemos com vaidade e com vaidade morremos.
Esta é a verdade.
Continuamos a
ser um mundo de vaidosos, onde ontem se corria atrás de um título nobiliárquico
e hoje se corre atrás de um diploma qualquer, que possa dar – ainda que não
validamente – o título de Engenheiro ou de Doutor, fazendo que a vaidade se estenda
pela vida terrena e finita e, depois, se projecte, assim, pelos respeitos
humanos que sempre acontecem.
Somos assim.
Continuamos a
ser um povo de vaidades fora do tempo. Se eram admissíveis no século XVIII, não
parece que o sejam – da forma como são usadas – no tempo que passa.
É que continuamos
a embandeirar em arco, estribados nos nossos títulos, hoje, académicos, tirados,
às vezes, pelas portas baixas de um ensino, onde o Estado – parece - se tem demitido de ser o garante de currículos
de pouco saber, nas de muita pompa e
circunstância.
Há dias, mão
amiga fez-me chegar ao conhecimento um texto da autoria do Professor Miguel
Pina e Cunha, da Universidade Nova de Lisboa, que bem merece ser reproduzido.
Diz, assim:
Uma das características mais visíveis da
cultura portuguesa - e certamente da cultura de gestão portuguesa - é a
propensão para o uso de títulos académicos. O uso de títulos (Dr., Eng.º.) é
certamente mais praticado em algumas organizações do que noutras, mas, na
comparação com outros países da União Europeia (UE), os portugueses são
pródigos no uso de títulos. É aliás frequente, nas situações em que se conhece
menos bem o interlocutor, colocar um cauteloso Dr. antes do nome. Na dúvida,
antes a mais que a menos.
Há que
inverter isto.
Como povo
temos o dever moral de crescer, indo ao encontro do que se passa pela Europa do
conhecimento, onde o homem tende a ser mais respeitado por aquilo que faz de
bom para ele e para a sociedade, do que pelo título académico que possui.
A nossa mentalidade
não tem acompanhado o ritmo da globalização.
Países como os nórdicos, não estão preocupados com os títulos académicos dos seus governantes.
Preocupam-se sim como a sua capacidade, inteligência e vontade de servir. A Sul
podemos tomar o exemplo da França entre
outros.
Em Portugal,
não.
Continuamos a
pensar que só quem tem um curso superior – ainda que não seja reconhecido pela
Ordem respectiva - é que tem capacidades para se guindar a um qualquer alto
posto, seja ele governativo ou não, uma tontice que não raro, tem conduzido
homens determinados a seguir caminhos ínvios na prossecução dos famigerados canudos, que nada acrescentam à sua
estatura humana, mas tão só, têm a finalidade de darem resposta às vaidades mesquinhas de um mundo português
antiquado e velho, a pedir uma urgente reforma de mentalidades para apaziguar
os deletérios da vaidade que quer continuar a estender-se e a enriquecer de adornos o homem, mesmo no horror da sepultura, quando o corpo
já é, apenas, e sem qualquer préstimo uma
cinza fria, mas onde morou uma vaidade estulta, entrincheirada na suposta
mais valia de títulos imerecidos e, até, muitas vezes, conseguidos pelos
arranjos de artimanhas danosas da moral e da ética social.
(1) - Iluminista brasileiro, (1705-1770). Mathias Aires interessou-se por alguns
aspectos do novo espírito do Século das Luzes aplicado ao estudo do homem: a
tendência à introspecção; o interesse pela investigação das relações homem-sociedade;
a recusa da tradição cultural anterior; a procura de novas verdades sobre o
homem e a confiança na ciência moderna como método de conhecimento
(2) - O Marquês de Pombal simplificou o processo de
censura das publicações de livros ao constituir um único tribunal denominado
Real Mesa Censória, cuja presidência foi
concedida a Manuel do Cenáculo. O Regimento da Real Mesa Censória data de 18 de
Maio de 1768 e previa a inspecção de livrarias, bibliotecas e tipografias. São
proibidas as obras que veiculassem ideias supersticiosas, ateias e hereges,
ainda que se abra excepção para alguns livros de protestantes. aceites nos
"Estados Católicos Romanos bem governados e prudentes.
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