A má vivência do tempo que temos
É da lógica
dos factos que o tempo não sofre aceleração no seu fluir constante como nos diz a Filosofia, mantendo-se inalterável
no seu transcurso diário, numa sucessão ininterrupta, dentro da qual todas as coisas nascem, existem e morrem.
A sua lei é
irreversível e nenhum esforço humano o pode deter, retardar ou acelerar.
Sobre o modo
como o tempo deve ser vivido, disse Vieira: Nem
todos os anos que passam se vivem: uma coisa é contar os anos, outra é vivê-los
e, mais perto de nós, Mons. Balaguer aconselha: Que a tua vida não seja estéril. Sê útil. Deixa rasto, conselho
avisado, porque nunca uma vida será avaliada pelo número de anos que viveu, mas
sim, pelo modo como os viveu, plena e intensamente em acções que se projectarão
num outro tempo com o propósito de deixar rasto,
que é ou devia ser a meta de todo o homem e das sociedades.
A primeira grande crise do capitalismo
Aquilo a que
assistimos, hoje, com o problema da economia em colapso é porque andamos todos a
perder tempo, sem termos a nível individual e colectivo aprendido a dura lição
do crash de 1929, porque na aceleração em que o Mundo
se meteu não deixou que os homens cumprissem, quer o pensamento de Vieira e,
muito menos, o de Balaguer, porque as nossas sociedades mercantilistas não
deixaram rasto, ou seja, um caminho
de vivência, onde não se cruzassem, apenas as leis selvagens do mercado, mas,
também, as leis da moral social dos indivíduos e das nações.
Efectivamente,
se em 1929 - era que marcou a primeira crise aguda de um capitalismo cuja
superprodução levou ao pico o sistema bolsista e cujo frenesi fez esquecer o
adágio: tudo o que sobe tem de descer - se o Mundo tivesse aprendido com a
gravidade dos acontecimentos que geraram o declínio das cotações bolsistas, as
consequentes falências e dificuldades macroeconómicas severas com fecho de
empresas e despedimento de trabalhadores e outras medidas de repressão
económica, certamente, ter-se-ia evitado o que está a acontecer, com algumas
similitudes, ao nosso Mundo, no alvor do ano de 2009.
A dolorosa crise dos nossos dias
O homem e as
sociedades esqueceram-se disto e, assim, oitenta anos depois, estamos a braços
com algo semelhante, porque a crise de 1929 não foi só, como agora, de um capitalismo desenfreado e especulativo, mas
sim, de uma profunda crise de valores morais e éticos das sociedades modernas.
O que
aconteceu, agora – e mais uma vez com começo nos EUA – prendeu-se com a
valorização imobiliária que os juros baixos e o fácil acesso ao crédito tornou
possível, até ao ponto em que para combater a inflacção as taxas de juro
começaram a subir, enquanto que os preços dos imóveis caíram, donde resultou
que quando as prestações das casas subiram, começou a verificar-se o incumprimento
das famílias e os títulos das hipotecas a perder valor.
A banca começou,
então, a ter de suportar os prejuízos do incumprimento mais a perda de valor
dos títulos, com os bancos a não concederem créditos e a reter o capital, mas, como
sem liquidez não é possível gerar riqueza, a situação veio a repercutir-se em
todo o Mundo, instalando-se uma grave crise de confiança, o que gerou a
intervenção estatal.
A falta que faz às sociedades as palavras
da Igreja
Um dos
problemas do nosso tempo é o facto de se ter utilizado a despropósito o
desenvolvimento das sociedades, ao arrepio do que disse a Encíclica “Populorum
Progressio”, onde Paulo VI, tendo compreendido profundamente a necessidade de
ultrapassar os limites da dimensão económica e política do desenvolvimento, pôs
em evidência o seu carácter ético e cultural, propondo como norma que o desenvolvimento
para ser real teria de ser um compromisso de todos os homens e do homem todo.
Sem esquecer a
questão social, aventou-se naquele importante documento papal que a solução se
havia de encontrar a partir do equilíbrio universal, baseado na justiça e no dever de solidariedade entre os povos,
culminando o seu pensamento com a célebre intuição profética: o desenvolvimento é o novo nome da paz.
Vinte anos
depois, João Paulo II, ao fazer o balanço dos efeitos que a “Populorum
Progressio” causou na sociedade humana, concluiu por um valor positivo, mas não
deixou de apontar algumas sombras, pelo facto de ter aumentado o fosso entre
ricos e pobres, geograficamente entre o Norte e o Sul, como se o
desenvolvimento tivesse parado a meio do caminho, em virtude do má utilização
dos recursos económicos que deixou para segundo plano o desenvolvimento dos
povos.
Continuaram,
irresponsavelmente, as sociedades de pé no acelerador, a vestir a moda do
século XX – ser sem ter - no
prosseguimento de um desenvolvimento falacioso das sociedades, há que pôr em
evidência a sabedoria da Igreja, quando diz que o mundo contemporâneo leva-nos a verificar, primeiro que tudo, que o
desenvolvimento não é um processo rectilíneo, quase automático e de per si
ilimitado, como se, com certas condições, o género humano tivesse de caminhar
expeditamente para uma espécie de perfeição indefinida. (1)
Eis, porque,
com todo o propósito, João Paulo II afirmou que havia entrado em crise
a própria concepção «económica» ou «economicista», ligada à palavra
desenvolvimento. Hoje, de facto, compreende-se melhor que a mera acumulação de
bens e de serviços, mesmo em benefício da maioria, não basta para realizar a
felicidade humana. E, por conseguinte, também a disponibilidade dos multíplices
benefícios reais, trazidos nos últimos tempos pela ciência e pela técnica,
incluindo a informática, não comporta a libertação de toda e qualquer forma de
escravidão. A experiência dos anos mais recentes demonstra, pelo contrário, que
se toda a massa dos recursos e das potencialidades, postos à disposição do
homem, não for regida por uma intenção moral e por uma orientação no sentido do
verdadeiro bem do género humano, ela volta-se facilmente contra ele para o
oprimir. (2)
Profeticamente,
João Paulo II acertou no alvo.
Quando a
economia se esquece que a sua função não é só a de produzir riqueza, mas que esta
deve reger-se por uma intenção moral e
por uma orientação no sentido do verdadeiro bem do género humano, o que
acontece é aquilo a que assistimos, actualmente.
Os homens,
ostensivamente entranhados no primado da razão – que julgam um valor absoluto -
viram as costas aos ensinamentos da Igreja, mas sem cuidarem que o fazem contra
si mesmos, ignorando ou desprezando os motivos fortes que a norteou, quando ela,
fiel depositária de um saber milenar condenou o Iluminismo e o capitalismo sem
rosto humano, geradores das grandes crises pela falta da intenção moral, que devia estar implícita e não está, nas atitudes
balizadas só pela razão, mas esquecendo a orientação
no sentido do verdadeiro bem do género humano.
(1) -
Papa João Paulo II . Encíclica “Solicitudo Rei Socialis”, nº 27 – Cap. IV: O Desenvolvimento Humano Autêntico.
(2) - idem, nº 28
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