Os
acontecimentos, antigamente impensáveis de acontecer e que na actualidade
enchem os media nacionais e
internacionais de notícias alarmantes sobre a falta de segurança que se sente,
no individual e no colectivo dos grupos, sociedades e nações.
Os conflitos
não estão apenas latentes mas em franca ebulição pela acção de terroristas que
agem congregados e com o poder de mobilizar povos inteiros para aquilo que eles
chamam de "guerra santa", contra a qual os meios das nações mais poderosas
se estão a tornar impotentes, pela ausência de uma guerra convencional.
As grandes
nações se tornaram fragilizadas e vulneráveis.
A História
age, por vezes, contra a corrente dos mais fortes, pois quando estes se sentiam
seguros na exploração dos mais pequenos, tudo corria de feição, porque é
próprio dos pequenos não terem voz para se fazerem ouvir.
Este estado de
coisas não podia durar indefinidamente. Os pequenos estão a tomar consciência
da sua situação de injustiça. Só que os meios violentos, utilizados para
reclamarem um lugar de dignidade neste mundo, poderão não servir ninguém, mas
destruir a todos.
A Declaração Universal dos
Direitos do Homem, aprovada com tão boas intenções pela ONU, poderia constituir
essa plataforma comum de entendimento. Mas todos sabemos que uma boa parte das
suas normas são sistematicamente desconhecidas e violadas por aqueles que detêm
o poder. Enquanto o homem não for visto como um fim, para ser considerado
apenas um meio para alguns poderosos, será difícil conseguir o acordo
necessário para a formulação de normas básicas para uma ética mundial. Hoje
tornou-se evidente que esta sociedade civilizada e detentora do progresso, que
tem tudo quanto se refere a bens materiais, que dificilmente pode alimentar
utopias, convencida de que tudo está ao seu alcance, confiada no prodigioso
desenvolvimento técnico-científico, afinal esta sociedade parece ter dado
início a um processo de implosão, para utilizar a expressão de Pierre
Thuillier, que a poderá conduzir ao seu próprio aniquilamento.
H. Küng analisa o que se passa
com a única super potência da actualidade e afirma: "A crise da principal
potência ocidental é já uma crise moral de todo o ocidente, incluindo a Europa:
desmoronamento das tradições, de um sentido global da vida, de critérios éticos
absolutos e de carência de novos fins, com todos os danos psíquicos que daí
derivam". E mais adiante: "O ocidente encontra-se perante um vazio de
sentido, de valores e normas, que não só afecta aos indivíduos, como também constitui
um problema político de enorme grandeza".
H. Küng pretende então que se
adopte um conjunto de valores de âmbito universal, que permita um consenso
social e que respeite o homem como fim em si mesmo. Isto fundamentaria uma
ética autonômica de consenso, aceite por crentes e não crentes. Mas como chegar
a este consenso sem a referência a algo de absoluto? Poderá ser o homem esse
absoluto? Dada, no entanto, a sua consciência de carente, de limitado, o homem
não pode ser esse absoluto, pois busca fora de si a sua razão de ser e a sua
realização. Então, diz Küng, só as religiões podem fundamentar o incondicional
no Incondicional Absoluto, que é Deus. Desta forma a ética deixa de ser
autónoma, de precisar de consensos, já que deve referir-se ao Absoluto. Há
aqui, como se vê, uma contradição.
Por outro lado, todas as
religiões fazem, por sua própria natureza, referência ao Absoluto. Isto obriga
a colocar o problema da verdade, não entre religião e religião, mas também
dentro de cada uma das religiões, como diz Küng, porque todas correm o risco de
se afastar da verdade, como a própria história o demonstra. O critério para
discernir a verdade em cada uma das religiões seria a realização do humano.
Assim, um Absoluto que não respeite o humano, que sacrifique a vida do homem e
que premeie quem destrua a própria vida ou a vida dos outros não é verdadeira.
Não haverá aqui mais uma contradição, na medida em que o Absoluto encontraria a
sua justificação no não absoluto? Não, porque é a nossa compreensão do Absoluto
que precisa de encontrar justificação no não absoluto. Por outras palavras: a
ideia de um deus que desprezasse a sua criação, que tivesse criado a vida para
depois premiar aqueles que se empenhassem em a destruir não pode ser
verdadeira. Isto pode ser justamente um critério de verdade.
Mas será então possível encontrar
princípios aceites por todos, para um diálogo ecuménico, que garanta o
entendimento e a paz entre os homens e entre as nações?
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