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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Miguel Trigueiros (1918 - )



in, livro "Deus"


INVOCAÇÃO

Senhor, dá-me as palavras exactas!
Nem mais nem menos do que deva ser.
Nada de frases torcidas e abstractas;
Nada de imagens de cores baratas:
Abrir a alma como um livro
   e ler.



Miguel Trigueiros nasceu em 1918.
É um poeta que faz da sua obra um profundo sinal de religiosidade cristã.
Em 1939 o seu livro "Resgate" obteve o "Prémio Antero de Quental", contando à época três edições, um caso raro em Portugal, tratando-se de um livro de poesia.

Em 1959 dirigiu na então designada Emissora Nacional um programa, que intitulou:  "Páginas de Poesia", tendo  merecido dos responsáveis, estas palavras: Um dos programas que antecederam este, intitulava-se "Poesia, Música e Sonho". Durante dois anos, deu aos nossos ouvintes uma imagem viva da nossa criação poética. E poder-se-ia dizer que não houve poeta de real valor dos nossos dias que nele não tivesse figurado, se não ocorresse pelos menos uma, e flagrante excepção: a do próprio autor desse programa, Miguel Trigueiros, poeta lírico do maior valor (...) 

Defendendo para a poesia caminhos de amor que não fossem  o predomínio materialista do amor profano, nem o círculo vicioso do amor-inquietação, nem a torre de marfim do amor angelista, em palavras que proferiu para as "Páginas de Poesia" referiu: Se me perguntarem - "Que é a Poesia?" - responderei que Poesia, como toda a Arte em geral, é para mim uma forma especial de vidência, aquilo a que chamarei vidência prismática. E se me pedirem para explicar melhor o meu pensamento - disse o seguinte: - O artista, como qualquer outro vidente, capta ou vê, para além da medida normal dos sentidos, determinadas mensagens que são testemunhos do Criador ou da criação.

Nestas últimas palavras, Miguel Trigueiros, deixou expressa e de um modo penetrante todo o sentimento religioso que o animou ao longo da vida, que na época fez dele um dos grandes cultores da poesia cristã em Portugal, pelo vincado teocentrismo da sua mensagem onde não faltou a pura luminosidade do seu verbo, onde se descobre a para e passo o Divino Criador, presente em todas as facetas existenciais que lhe deram o proveito de ser admirado pelo seu sentimento que foi beber bem fundo, numa espiritualidade que era um anseio voltado para a purificação do Mundo, tarefa de que lhe coube uma parte e ele se encarregou de a desenvolver.

Não quis fazer teologia - diz do Poeta, D. Manuel Trindade Salgueiro - e, no entanto, há teologia de vida em toda a obra. (o livro Deus) A demonstração é feita pela exposição poética da verdade. Deus está em toda a parte - no Homem e no Universo (...) acrescentando a seguir: Mais uma vez se verifica, e de forma eloquente, que os temas divinos, longe de prejudicarem a arte, a iluminam e enobrecem.

Bem se pode dizer que Miguel Trigueiros - como é dito por Ferreira da Silva na aba da contracapa do seu livro "Deus", na peugada da afirmação do Bispo - foi um cruzado para levar a todo o lado, na arte da sua Poesia,  a mensagem da sempre bela e imortal Verdade cristã, algo  que é um valor inestimável em que se fundem todas as forças do Bem - que para ele - se entroncava em Deus, a ponto de ao falar, um dia, sobre Frei Agostinho da Cruz, ter dito:

Só os versos feitos de alma
Trazem noticias de Deus.

São estas notícias que ele dá à estampa do seguinte modo no poema PARA ALÉM, que foi recitado por João Villaret, no seu programa radiofónico - já aludido - "Páginas de Poesia", nesta exaltação da sua alma, que aninhada no colo de Deus nada podia temer.

Minha alma: não temas a ninguém.
Palpitam medos sob a tarde mansa?
Abre as asas do sonho e da esperança
E voa para além, mais para além!

O caminho dos poetas é infinito.
O país do seu espírito? O Universo.
É mais inteiro, quanto mais disperso
Em turbilhões de gritos, o seu grito!

Minha alma:não temas a ninguém.
Bocejam tédios sob a tarde calma?
Abre as asas da fé, oh, minha alma
E voa para além, mais para além!

A presença dos poetas é a distância.
A verdade dos poetas é a miragem.
A paisagem dos poetas é a paisagem
De mil abismos a florir na ânsia!

Minha alma: não temas a ninguém.
Desdobra-se a planície à tua volta?
Abre as asas do amor e voa à solta
Para além, cada vez mais para além!

O coração dos poetas não tem fundo.
Deita-se amor e pede mais amor;
Deita-se a dor e gasta a própria dor;
Deita-se o mundo e não lhes chega o mundo!

in, "DEUS"
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Do mesmo livro, são os poemas que se seguem:

SABEDORIA

Não sei como, nem porquê,
Nem de onde vens até mim;
Mas sei que vens - e é assim
Que a minha alma te vê...

Um saber sem explicação,
Um saber feito de amor...
- Tal como as fontes do chão,
Jorras, inteiro, Senhor,
Do meu próprio coração
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DEUS NO POETA, dedicado ao frade arrábido Frei Agostinho da Cruz e à paisagem paradisíaca do Portinho e do Convento da Arrábida.

O tapete da estrada foi bordado
Pelas rendas da sombra da folhagem.
E um tronco dolorido, esfarrapado,
Aponta, lá no fundo do montado,
Um sorriso de Deus, feito paisagem.

Paira no Espaço uma oração discreta.
Frei Agostinho! Andam teus versos no ar!
A voz de Deus é o som na voz do poeta...
(Sem o Sol, onde estava a luz do luar?)

Por isso, com as grutas escondidas,
Humildes
São teus versos.
E são puros,
Como o primeiro soeeiso
Da manhã;
Transparentes, 
Como as águas
Da alegria azul,
Onde os teus olhos brincavam
Quando voltavam do céu;
Tão suaves
Como um segredo de brisa
Contado, devagarinho,
Às pedras virgens da Serra
E às areias do Portinho.

A vida que tu viveste, 
Ah! quem pudera vivê-la!
Por companheiros tiveste
Os mais fiéis amigos do Universo:
- Arbustos - eremitas
De braços torturados,
Erguidos 
Para o Infinito;
O Sol,
Anjo de asas abertas sobre o Mundo;
Nuvens - Freiras de branco, em romaria,
E o Mar, um monge velhinho,
Com seus cabelos de espuma
E a sua voz de Mistério...

- Minha santa Natureza
Toda vestida de luz!

AH, quem pudera viver
A vida que tu viveste
Frei Agostinho da Cruz!
Humildes, como as grutas escondidas
São teus versos.
Mas profundos, como a alma
Que os criou...
Só os versos feitos de alma
Trazem notícias de Deus,
Ficam para além do instante.

E assim ficaram os teus.
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E é num profundo arrebatamento interior, louvando a Deus pelo nascimento de um dos seus filhos que Miguel Trigueiros - cheio de uma grande luz - escreveu o poema HORIZONTE, que mais não é, que um desafio que ele lançou ao mundo dos homens inebriado como estava pela dádiva tão grande, espelhada no corpo pequenino que lhe veio encher a sua casa.

Hoje, tudo pode vir.
Tudo, até mesmo um desgosto,
Que a tudo eu hei-de sorrir,
Como o luar ao florir
No canteiro do sol-posto...

Hoje, não temo ninguém.
E todos podem olhar-me
Com torvo olhar de desdém,
Que nem por isso hão-de dar-me
Qualquer tristeza também!

- Não há nada que desarme
A luz que minha alma tem...

Hoje não sei bem se existe
O Estilo ou a Literatura...
Não tenho imagens em riste;
Não sou alegre nem triste:
Sinto a poesia em ternura.

Que sonho assim me serena?
Queram saber? Pois aí vai:

- Uma boquinha pequena
Deu-me um beijo e disse: Pai...
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Como um produto sazonado e apetecível - onde Miguel Trigueiros colocou sempre ao longo da vida o Altar de Deus - foi para Ele que escreveu, numa toada sentida, a lindíssima CANÇÃO DE EMBALAR, começando - como se fosse um menino - a pedir que Deus o estreitasse nos seu braços e o adormecesse na terna canção como os pais embalam os filhos.

Embala a minha alma nos Teus braços
E canta-lhe, baixinho,
A canção de ninar da eternidade!
Oh, meu bom Pai, embala-a, até que os passos
Do orgulho e da vaidade,
Se percam no caminho
Que vai de mim a mim!

Devagarinho,
Suavemente.
Mais docemente.
- Assim. 

Ah, dorme, dorme, em outro espaço,
Alma dorida...
Ah dorme, dorme, no regaço
Da vida!

Ah, dorme, dorme entre as estrelas,
Alma doente!
E que o teu sonho sejam elas;
E, tal como elas, seja ardente,
Refulgente
E enorme...

Dorme...
Dorme...
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Miguel Trigueiros, para além do livro "Deus" publicou, ainda:
"Resgate" - já citado.
"Diálogo entre o Céu e a Terra"
"Sete Poemas de Natal"
"Monólogo da Terra"

1 comentário:

  1. Gostava
    Gostava de ler um poema que tem por título «O Natal do

    Amor» ou Devagar». Começa assim: Devagar, devagar como um voo de penas, Devegar, devagar como um suspiro d'ânsia...

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