O ano de 1820
foi um ano de esperança para Portugal.
Eclodira no
Porto a chamada Revolução Liberal no dia 24 de Agosto que teve como
consequência imediata a vinda da Corte exilada no Brasil, no ano seguinte, à
excepção de Dom Pedro I que ali permaneceu na condição de Príncipe Regente.
Manuel Borges
Carneiro (1) deu à estampa o livro Portugal Regenerado
começando por fazer no Cap. I dedicado à “Origem e Progresso das Sociedades
Humanas” um estudo que o conduz no Cap. seguinte à “ Origem e Natureza do Direito Feudal” e a
uma explanação sobre as consequências advindas desse direito no Cap. imediato,
intitulado “Consequências desse Direito” para prosseguir, seguidamente, sob o título “A
mesma matéria quanto a Portugal” e, concluir, depois, numa análise objectiva de interpretação do
passado atrabiliário, que os cargos
públicos, de cuja recta distribuição depende em grande parte a felicidade dos
povos, foram conferidos a quem mais deu, intrigou, solicitou, sorrabou. Aqueles
que desde a sua mocidade procurariam adquirir letras e virtudes para bem servir
algum dia a sua Pátria, desprezarão um trabalho que previam não lhes viria a
servir de coisa alguma. Muitos deixaram corromper em seu peito as sementes da virtude
e disseram: “Para que modelarei meu coração sobre o cunho da honra e da
probidade se isto são nomes vãos a que nenhum prémio está unido? A protecção, o
dinheiro, as humilhações, a lisonja, me darão o que não podem dar-me aquelas
vãs palavras (…)
Portugal
regenerado ainda não está cumprido.
O magistrado
que tanto se distinguiu pela palavra e pela oratória, enganou-se.
Continuamos o
percurso lento da regeneração das ideias e das políticas começadas em 1820 e
ateadas com a insurreição militar de 1
de Maio de 1851 com a vitória de Saldanha, que levou à queda de Costa Cabral e
dos governos de inspiração setembrista que inspiraram o movimento regenerador que
apresentava como ponto fulcral do seu programa político a renovação do sistema
tendente ao desenvolvimento do país.
Como objectivo,
estava o estabelecimento de forma definitiva do liberalismo em Portugal,
adoptando os princípios da Carta
Constitucional de 1826, introduzindo-lhe as necessárias reformas pelo Acto
Adicional ocorrido no ano de 1852. Foi um período que se esbateu em 1865 com Sá
da Bandeira com o governo de fusão entre os regeneradores e os históricos
unidos numa comissão
eleitoral progressista.
Foi penosa a
caminhada até ao fim do século e nos dez primeiros anos do século XX.
Nesse período
– como nunca havia acontecido – continuaram vivas as palavras de Manuel Borges
Carneiro sobre os cargos públicos, de
cuja recta distribuição depende em grande parte a felicidade dos povos, foram
conferidos a quem mais deu, intrigou, solicitou, sorrabou, e Portugal
continuou a marcar passo.
Um passo lento
que a I República não estugou até ao advento do 28 de Maio e que os tempos
seguintes das ditaduras - militar e civil -
vieram acentuar com as prebendas e os cargos públicos dados
exclusivamente aos homens do sistema, estagnando a regeneração do País em todos
os campos sociais e políticos até à Revolução de 74.
A Democracia,
como se esperava, inaugurou um tempo novo e fez fruir uma renovada esperança no
povo português, que no entanto, não tem tido o cuidado – como se exigia de não
substituir os cargos públicos até aos directores gerais, fazendo-os atribuir a quem
esteja alinhado com o ideário do partido que está no poder – em detrimento dos
mais capazes, profissional e intelectualmente.
Não temos
emenda.
E assim, o
Portugal Regenerado – título de um belo livro que serviu de ponto de reflexão onde
a esperança era um motivo muito belo e acalentou o então jovem vintista Manuel
Borges Carneiro - continua por
regenerar, porque tem sido à sombra da bandeira do partido que alcança o poder
que continuamos a servir a coisa pública, deixando quantas vezes, os melhores
de fora.
Faz falta no
tempo actual, um movimento como o da “Renascença Portuguesa” que surgiu no
Porto no decorrer de 1912 e se manteve activo durante o primeiro quartel do
século XX. O movimento tinha um ideal nacionalista ligado a uma acção
sócio-cultural, com aspectos originais, obedecendo ao propósito de "dar
conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana" como então afirmava
Jaime Cortesão.
Os intelectuais
que serviram aquele movimento cívico acreditavam ser necessária a reconstrução
da sociedade portuguesa desmoralizada e abalada na sua alma pela
degenerescência da monarquia constitucional.
Durou três décadas,
mas o Portugal do século XX – descontados os períodos ditatoriais – muito está
a dever à “Renascença Portuguesa”, que muito embora congregasse personalidades
e tendências diferentes, como Leonardo
Coimbra, Mário Beirão, António Correia de Oliveira, Afonso Lopes Vieira,
Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Teixeira de Pascoaes, entre outros, o
movimento teve sempre como ideário um nacionalismo – talvez messiânico - radicado na tendência sebastiânica da alma
portuguesa na procura de uma regeneração nacional, sempre adiada, mas sempre
presente em todos os períodos entendidos como de crise.
Nos tempos que
correm, parece, que algo semelhante devia ser feito, esbatendo-se mais a
tendência gregária e alargar à sociedade o diálogo político e social fundado em
duas vertentes (a vida como um movimento constante) e a (transformação do mundo
sujeita a críticas sem qualquer preconceito) dando valor ao papel dos
intelectuais e, menos, aos chamados políticos de profissão, amarrados a
ideologias estanques, um facto que cada vez faz menos sentido na globalidade de
um mundo, que é hoje, uma aldeia grande.
Seria nesse
propósito, salutar que os dois grandes partidos da Democracia portuguesa (PS e
PSD) se unissem, esbatendo as fracas barreiras que actualmente os dividem –
deixando a uma esquerda totalitária as suas ideias com todo o direito de
existir – e procurassem assegurar a regeneração efectiva de Portugal em todos
os campos da coisa pública, não descurando a educação civil e religiosa, mas
fazendo dos seus valores pontos de partida, para que a palavra dada seja
cumprida em toda a linha e não desbaratada em incumprimentos factuais, ao sabor
da corrente, que apenas atrasam a regeneração que tarda, criando no povo
abandonos e descrenças.
O momento é de
crise.
E, pese
embora, o nosso enquadramento europeu, a alma nacional não pode morrer.
Há que continuar a manter
viva a chama do nacionalismo sadio que animou, um dia, os homens da “Renascença
Portuguesa
(1) -Nasceu a 2 de Novembro de 1774 e
faleceu a 4 de Julho de 1833. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1791,
no curso jurídico. Formou-se em Cânones no ano de 1800. Foi um dos heróis dos
acontecimentos políticos de 1820. Tendo abortado a conspiração que em 1817
vitimou Gomes Freire de Andrade, um grupo de homens notáveis prepararam urna
revolução pacífica, cujo grito foi levantado no Porto em Agosto do referido
ano, e repercutido em Lisboa a 16 de Setembro. Foram iniciadores do movimento
revolucionário Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, Sepúlveda, Xavier
de Araújo, e outros, que ficaram conhecidos na história pelos heróis de 1820.
Manuel Borges Carneiro foi em seguida um dos mais decididos e vigorosos adeptos
daquela revolução.
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