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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Portugal regenerado... para quando?



O ano de 1820 foi um ano de esperança para Portugal.
Eclodira no Porto a chamada Revolução Liberal no dia 24 de Agosto que teve como consequência imediata a vinda da Corte exilada no Brasil, no ano seguinte, à excepção de Dom Pedro I que ali permaneceu na condição de Príncipe Regente.

Manuel Borges Carneiro (1) deu à estampa o livro Portugal Regenerado começando por fazer no Cap. I dedicado à “Origem e Progresso das Sociedades Humanas” um estudo que o conduz no Cap. seguinte  à “ Origem e Natureza do Direito Feudal” e a uma explanação sobre as consequências advindas desse direito no Cap. imediato, intitulado “Consequências desse Direito” para  prosseguir, seguidamente, sob o título “A mesma matéria quanto a Portugal” e, concluir, depois,  numa análise objectiva de interpretação do passado atrabiliário, que os cargos públicos, de cuja recta distribuição depende em grande parte a felicidade dos povos, foram conferidos a quem mais deu, intrigou, solicitou, sorrabou. Aqueles que desde a sua mocidade procurariam adquirir letras e virtudes para bem servir algum dia a sua Pátria, desprezarão um trabalho que previam não lhes viria a servir de coisa alguma. Muitos deixaram corromper em seu peito as sementes da virtude e disseram: “Para que modelarei meu coração sobre o cunho da honra e da probidade se isto são nomes vãos a que nenhum prémio está unido? A protecção, o dinheiro, as humilhações, a lisonja, me darão o que não podem dar-me aquelas vãs palavras (…)

Portugal regenerado ainda não está cumprido.
O magistrado que tanto se distinguiu pela palavra e pela oratória, enganou-se.
Continuamos o percurso lento da regeneração das ideias e das políticas começadas em 1820 e ateadas com a  insurreição militar de 1 de Maio de 1851 com a vitória de Saldanha, que levou à queda de Costa Cabral e dos governos de inspiração setembrista que inspiraram o movimento regenerador que apresentava como ponto fulcral do seu programa político a renovação do sistema tendente ao desenvolvimento do país.
Como objectivo, estava o estabelecimento de forma definitiva do liberalismo em Portugal, adoptando  os princípios da Carta Constitucional de 1826, introduzindo-lhe as necessárias reformas pelo Acto Adicional ocorrido no ano de 1852. Foi um período que se esbateu em 1865 com Sá da Bandeira com o governo de fusão entre os regeneradores e os históricos unidos numa comissão eleitoral progressista.

Foi penosa a caminhada até ao fim do século e nos dez primeiros anos do século XX.
Nesse período – como nunca havia acontecido – continuaram vivas as palavras de Manuel Borges Carneiro sobre os cargos públicos, de cuja recta distribuição depende em grande parte a felicidade dos povos, foram conferidos a quem mais deu, intrigou, solicitou, sorrabou, e Portugal continuou a marcar passo.
Um passo lento que a I República não estugou até ao advento do 28 de Maio e que os tempos seguintes das ditaduras - militar e civil -  vieram acentuar com as prebendas e os cargos públicos dados exclusivamente aos homens do sistema, estagnando a regeneração do País em todos os campos sociais e políticos até à Revolução de 74.
A Democracia, como se esperava, inaugurou um tempo novo e fez fruir uma renovada esperança no povo português, que no entanto, não tem tido o cuidado – como se exigia de não substituir os cargos públicos até aos directores gerais, fazendo-os atribuir a quem esteja alinhado com o ideário do partido que está no poder – em detrimento dos mais capazes, profissional e intelectualmente.
Não temos emenda.
E assim, o Portugal Regenerado – título de um belo livro que serviu de ponto de reflexão onde a esperança era um motivo muito belo e acalentou o então jovem vintista Manuel Borges Carneiro -  continua por regenerar, porque tem sido à sombra da bandeira do partido que alcança o poder que continuamos a servir a coisa pública, deixando quantas vezes, os melhores de fora.
Faz falta no tempo actual, um movimento como o da “Renascença Portuguesa” que surgiu no Porto no decorrer de 1912 e se manteve activo durante o primeiro quartel do século XX. O movimento tinha um ideal nacionalista ligado a uma acção sócio-cultural, com aspectos originais, obedecendo ao propósito de "dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana" como então afirmava Jaime Cortesão.

Os intelectuais que serviram aquele movimento cívico acreditavam ser necessária a reconstrução da sociedade portuguesa desmoralizada e abalada na sua alma pela degenerescência da monarquia constitucional.
Durou três décadas, mas o Portugal do século XX – descontados os períodos ditatoriais – muito está a dever à “Renascença Portuguesa”, que muito embora congregasse personalidades e tendências diferentes, como  Leonardo Coimbra, Mário Beirão, António Correia de Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Teixeira de Pascoaes, entre outros, o movimento teve sempre como ideário um nacionalismo  – talvez messiânico -  radicado na tendência sebastiânica da alma portuguesa na procura de uma regeneração nacional, sempre adiada, mas sempre presente em todos os períodos entendidos como de crise.

Nos tempos que correm, parece, que algo semelhante devia ser feito, esbatendo-se mais a tendência gregária e alargar à sociedade o diálogo político e social fundado em duas vertentes (a vida como um movimento constante) e a (transformação do mundo sujeita a críticas sem qualquer preconceito) dando valor ao papel dos intelectuais e, menos, aos chamados políticos de profissão, amarrados a ideologias estanques, um facto que cada vez faz menos sentido na globalidade de um mundo, que é hoje, uma aldeia grande.
Seria nesse propósito, salutar que os dois grandes partidos da Democracia portuguesa (PS e PSD) se unissem, esbatendo as fracas barreiras que actualmente os dividem – deixando a uma esquerda totalitária as suas ideias com todo o direito de existir – e procurassem assegurar a regeneração efectiva de Portugal em todos os campos da coisa pública, não descurando a educação civil e religiosa, mas fazendo dos seus valores pontos de partida, para que a palavra dada seja cumprida em toda a linha e não desbaratada em incumprimentos factuais, ao sabor da corrente, que apenas atrasam a regeneração que tarda, criando no povo abandonos e descrenças.
O momento é de crise.
E, pese embora, o nosso enquadramento europeu, a alma nacional não pode morrer.
Há que continuar a manter viva a chama do nacionalismo sadio que animou, um dia, os homens da “Renascença Portuguesa


(1) -Nasceu a 2 de Novembro de 1774  e faleceu a 4 de Julho de 1833. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em 1791, no curso jurídico. Formou-se em Cânones no ano de 1800. Foi um dos heróis dos acontecimentos políticos de 1820. Tendo abortado a conspiração que em 1817 vitimou Gomes Freire de Andrade, um grupo de homens notáveis prepararam urna revolução pacífica, cujo grito foi levantado no Porto em Agosto do referido ano, e repercutido em Lisboa a 16 de Setembro. Foram iniciadores do movimento revolucionário Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, Sepúlveda, Xavier de Araújo, e outros, que ficaram conhecidos na história pelos heróis de 1820. Manuel Borges Carneiro foi em seguida um dos mais decididos e vigorosos adeptos daquela revolução.

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