D. António Ferreira Gomes nasceu na
freguesia de Milhundos, concelho de Penafiel em 10 de Maio de 1906 e faleceu em
13 de Abril de 1989.
No dia 12 de
Outubro de 1952 tomou conta da Diocese do Porto.
Tendo-se
salientado como uma das maiores figuras Portuguesas do século XX, deixa
inseridos na década de 50 os seus importantes Documentos Pastorais onde
reflecte o seu pensamento social-cristão, nos quais defende uma terceira via,
não considerando quer o comunismo, quer o liberalismo como metas, mas afirmando
que o seu “não” ao ateísmo comunista não subentende um “sim” ao capitalismo
liberal e individualista.
É nesta moldura íntima e pessoal que se insere a
carta deste insigne Bispo dirigida ao
Dr. Oliveira Salazar, em 13 de Julho de 1958, e que, pelas manipulações
sofridas pelo Governo atingido e pela consequências pessoais e públicas que
acarretou, acabou por constituir uma carta de acusação ao regime autoritário,
posicionando-se como um marco indelével do pensamento social cristão que então
grassava às escondidas, em Portugal.
A carta de D.
António Ferreira Gomes aconteceu em plena candidatura presidencial do general
Humberto Delgado e toda ela se firma dentro do exercício do seu magistério
episcopal, em defesa do homem e da doutrina social da Igreja Católica, que
tinha nele o sujeito principal de toda a sua doutrinação, advinda do maior
Concílio Ecuménico de todos os tempos: o Vaticano II.
O Chefe do
Governo, autoritário como era, não lhe perdoou a ousadia das críticas
contundentes relativas à situação político-social e religiosa do País, e sem
delongas, impôs-lhe o exílio forçado.
D. António
deixou a sua amada Diocese e saiu de Portugal, mas sem ter deixado bem vincado
o célebre lema que lhe serviu de conduta:
De joelhos diante de Deus, mas de pé diante dos
homens, bem na linha desse grande Mestre que foi S.
Paulo.
Regressa no
ano de 1969, estando no poder o Prof. Marcello Caetano.
Tarde demais
para teorizar e difundir convenientemente a teoria da democracia-cristã.
O tempo,
inexorável, corria a um ritmo veloz até à desejada instauração da democracia em
25 de Abril, onde rapidamente se fizeram as escolhas políticas, sem que
houvesse, estruturado, um partido essencialmente democrata-cristão.
Para a História
fica o exemplo do Bispo do Porto.
E de tal
modo, que não raro, a esquerda política, chama por D. António Ferreira Gomes,
incensando-o – e neste particular com todo o respeito, pelo facto dele se ter
oposto ao Dr. Salazar e, de certo modo, contra alguns dos seus pares da Igreja
Católica reverentes ao então Chefe do Governo – mas sem cuidar que o pensamento
deste Homem de eleição advogava uma democracia de cunho cristão, bem longe dos
ideais da esquerda totalitária personificada pelo comunismo marxista e da outra
esquerda socialista, pelo facto deste ideário político, como ele dizia, pôr o económico em lugar do espiritual
(...) levar a sociedade humana pelos caminhos do formigueiro e da colmeia
(...) pôr o homem em lugar de Deus e a sociedade em lugar da Igreja.
No pensamento esclarecido do Bispo do Porto, quando
escreveu ao Dr. Salazar, havia lugar em
Portugal para uma terceira via, a qual já dera provas cabais e profícuas, tendo
tido profundas implicações nos tempos do pós segunda guerra mundial, na velha
Europa, onde a primeira geração democrata-cristã ajudara eficientemente a reconstruir o
Estado, a sociedade civil e iniciativa privada, segundo os modelos da economia
social de mercado, sem deixar de prever e cuidar da organização política
democrática. A segunda geração que se alcandorou ao poder, lutara pelos valores da liberdade,
da solidariedade e justiça nas políticas internas e iniciou os trabalhos
conducentes à integração europeia através da assinatura do Tratado de Roma em
1956.
Fiel a este
ideal político e consciente dele respeitar a acção da Igreja Católica, no dia
15 de Maio de 1981, D. António, por ocasião do 90º aniversário da Encíclica
“Rerum Novarum”, deu uma entrevista à Rádio Renascença, transcrita pelo “Diário
do Minho” do dia seguinte, na qual respondendo à última questão “Finalmente,
não quereria dirigir algumas palavras, especialmente aos operários, neste
nonagésimo aniversário da “Carta Magna” do mundo laboral?”, à qual e sem
peias, profundamente crente na sua ideia, D. António, chamou à colação as
palavras que um dia dissera na esplanada do Paço Episcopal de Castelo Branco,
dirigidas a uma massa imensa de camponeses e operários: Trabalhadores do
campo, da fábrica e da oficina, vós sois o número. Em democracia (coisa que
então não existia e era atrevimento pronunciar-se), em democracia vós sois a
maioria eleitoral, vós sois portanto o Poder. Tomais consciência do vosso
direito: tomai consciência das vossas responsabilidades.
Estas palavras aconteceram nos primórdios das suas
tarefas episcopais, portanto na década de 50, num tempo em que era preciso
coragem.
A terminar a referida entrevista, disse as seguintes
palavras, que dão que pensar:
- A democracia, ou será cristã, ou não será...
Profeta ou não, D. António, não se enganou.
A democracia que temos tido, republicana e laica
desde 74 é uma democracia coxa, porque lhe falta o espírito que fazia forte
este Bispo da Igreja Portuguesa que imprimiu à sua acção, não só a cultura
social e humanística do seu muito saber, como muito daquilo que dimanava – e
dimana - da Doutrina Social da Igreja,
malbaratada pelas classes dominantes que alternadamente temos tido no Poder, e
que, no entanto, contém os princípios básicos e indispensáveis à harmonia dos
homens.
D. António tinha a noção exacta do que dizia.
Banido o espírito eclesial, tal como está na
Constituição Portuguesa, cheio por demais de roupagens materialistas, Portugal
– como aliás, a Europa – vivem o espectro de não terem, verdadeiramente, uma
linha de rumo, mas tão só a assunção de caminhos de navegação à vista,
onde os políticos católicos dispersos em Portugal, pelos vários partidos
democráticos (PS, PPD-PSD e CDS-PP) se vêem sem forças para impor as linhas
doutrinais do Concílio Vaticano II na moldagem das leis do Estado, que surgem
assim, mecânicas e frias, e onde parece que o homem deixou de ser uma pessoa
para ser um número.
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