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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

D. António Ferreira Gomes e a Democracia Cristã




D. António Ferreira Gomes nasceu na freguesia de Milhundos, concelho de Penafiel em 10 de Maio de 1906 e faleceu em 13 de Abril de 1989.
No dia 12 de Outubro de 1952 tomou conta da Diocese do Porto.

Tendo-se salientado como uma das maiores figuras Portuguesas do século XX, deixa inseridos na década de 50 os seus importantes Documentos Pastorais onde reflecte o seu pensamento social-cristão, nos quais defende uma terceira via, não considerando quer o comunismo, quer o liberalismo como metas, mas afirmando que o seu “não” ao ateísmo comunista não subentende um “sim” ao capitalismo liberal e individualista.
É nesta moldura íntima e pessoal que se insere a carta deste insigne Bispo dirigida  ao Dr. Oliveira Salazar, em 13 de Julho de 1958, e que, pelas manipulações sofridas pelo Governo atingido e pela consequências pessoais e públicas que acarretou, acabou por constituir uma carta de acusação ao regime autoritário, posicionando-se como um marco indelével do pensamento social cristão que então grassava às escondidas, em Portugal.

A carta de D. António Ferreira Gomes aconteceu em plena candidatura presidencial do general Humberto Delgado e toda ela se firma dentro do exercício do seu magistério episcopal, em defesa do homem e da doutrina social da Igreja Católica, que tinha nele o sujeito principal de toda a sua doutrinação, advinda do maior Concílio Ecuménico de todos os tempos: o Vaticano II.
O Chefe do Governo, autoritário como era, não lhe perdoou a ousadia das críticas contundentes relativas à situação político-social e religiosa do País, e sem delongas, impôs-lhe o exílio forçado.
D. António deixou a sua amada Diocese e saiu de Portugal, mas sem ter deixado bem vincado o célebre lema que lhe serviu de conduta: 

De joelhos diante de Deus, mas de pé diante dos homens, bem na linha desse grande Mestre que foi S. Paulo.

Regressa no ano de 1969, estando no poder o Prof. Marcello Caetano.
Tarde demais para teorizar e difundir convenientemente a teoria da democracia-cristã.
O tempo, inexorável, corria a um ritmo veloz até à desejada instauração da democracia em 25 de Abril, onde rapidamente se fizeram as escolhas políticas, sem que houvesse, estruturado, um partido essencialmente democrata-cristão.

Para a História fica o exemplo do Bispo do Porto.
E de tal modo, que não raro, a esquerda política, chama por D. António Ferreira Gomes, incensando-o – e neste particular com todo o respeito, pelo facto dele se ter oposto ao Dr. Salazar e, de certo modo, contra alguns dos seus pares da Igreja Católica reverentes ao então Chefe do Governo – mas sem cuidar que o pensamento deste Homem de eleição advogava uma democracia de cunho cristão, bem longe dos ideais da esquerda totalitária personificada pelo comunismo marxista e da outra esquerda socialista, pelo facto deste ideário político, como ele dizia,  pôr o económico em lugar do espiritual (...) levar a sociedade humana pelos caminhos do formigueiro e da colmeia (...) pôr o homem em lugar de Deus e a sociedade em lugar da Igreja.
No pensamento esclarecido do Bispo do Porto, quando escreveu ao Dr. Salazar,  havia lugar em Portugal para uma terceira via, a qual já dera provas cabais e profícuas, tendo tido profundas implicações nos tempos do pós segunda guerra mundial, na velha Europa, onde a primeira geração democrata-cristã  ajudara eficientemente a reconstruir o Estado, a sociedade civil e iniciativa privada, segundo os modelos da economia social de mercado, sem deixar de prever e cuidar da organização política democrática. A segunda geração que se alcandorou  ao poder, lutara pelos valores da liberdade, da solidariedade e justiça nas políticas internas e iniciou os trabalhos conducentes à integração europeia através da assinatura do Tratado de Roma em 1956.

Fiel a este ideal político e consciente dele respeitar a acção da Igreja Católica, no dia 15 de Maio de 1981, D. António, por ocasião do 90º aniversário da Encíclica “Rerum Novarum”, deu uma entrevista à Rádio Renascença, transcrita pelo “Diário do Minho” do dia seguinte, na qual respondendo à última questão “Finalmente, não quereria dirigir algumas palavras, especialmente aos operários, neste nonagésimo aniversário da “Carta Magna” do mundo laboral?”, à qual e sem peias, profundamente crente na sua ideia, D. António, chamou à colação as palavras que um dia dissera na esplanada do Paço Episcopal de Castelo Branco, dirigidas a uma massa imensa de camponeses e operários: Trabalhadores do campo, da fábrica e da oficina, vós sois o número. Em democracia (coisa que então não existia e era atrevimento pronunciar-se), em democracia vós sois a maioria eleitoral, vós sois portanto o Poder. Tomais consciência do vosso direito: tomai consciência das vossas responsabilidades.

Estas palavras aconteceram nos primórdios das suas tarefas episcopais, portanto na década de 50, num tempo em que era preciso coragem.
A terminar a referida entrevista, disse as seguintes palavras, que dão que pensar:
- A democracia, ou será cristã, ou não será...
Profeta ou não, D. António, não se enganou.
A democracia que temos tido, republicana e laica desde 74 é uma democracia coxa, porque lhe falta o espírito que fazia forte este Bispo da Igreja Portuguesa que imprimiu à sua acção, não só a cultura social e humanística do seu muito saber, como muito daquilo que dimanava – e dimana -  da Doutrina Social da Igreja, malbaratada pelas classes dominantes que alternadamente temos tido no Poder, e que, no entanto, contém os princípios básicos e indispensáveis à harmonia dos homens.

D. António tinha a noção exacta do que dizia.
Banido o espírito eclesial, tal como está na Constituição Portuguesa, cheio por demais de roupagens materialistas, Portugal – como aliás, a Europa – vivem o espectro de não terem, verdadeiramente, uma linha de rumo, mas tão só a assunção de caminhos de navegação à vista, onde os políticos católicos dispersos em Portugal, pelos vários partidos democráticos (PS, PPD-PSD e CDS-PP) se vêem sem forças para impor as linhas doutrinais do Concílio Vaticano II na moldagem das leis do Estado, que surgem assim, mecânicas e frias, e onde parece que o homem deixou de ser uma pessoa para ser um número.


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