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segunda-feira, 18 de julho de 2016

Poema nº "I" de "A Semana Santa" - de Alexandre Herculano


I

Tíbio o sol entre as nuvens do ocidente,
Já lá se inclina ao mar. Grave e solene
Vai a hora da tarde! O oeste passa
Mudo nos troncos da alameda antiga,
Que à voz da Primavera os gomos brota:
O oeste passa mudo, e cruza o átrio
Pontiagudo do templo, edificado
Por mãos duras de avós, em monumento
De uma herança de fé que nos legaram,
A nós seus netos, homens de alto esforço,
Que nos rimos da herança, e que insultamos
A Cruz e o templo e a crença de outras eras;
Nós, homens fortes, servos de tiranos,
Que sabemos tão bem rojar seus ferros
Sem nos queixar, menosprezando a Pátria
E a liberdade, e o combater por ela.
Eu não! – eu rujo escravo; eu creio e espero
No Deus das almas generosas, puras,
E os déspotas maldigo. Entendimento
Bronco, lançado em século fundido
Na servidão de gozo ataviada,
Creio que Deus é Deus e os homens livres!

in, "A Harpa do Crente"
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Que mistério aconteceu em Alexandre Herculano, que a História regista como uma "ovelha fugida do redil", quando ele, como acontece nesta composição de "A Semana Santa" se mostra crente em Deus?

Direi que o grande historiador nunca deixou de o ser.

A sua rebeldia que não evitou ficasse conhecida, deveu-se a uma certa clerezia do seu tempo, porquanto, estando ele já retirado em Vale de Lobos, algo desiludido com os homens - incluindo os servidores do altar de Deus - e em resposta a Bernardino Barros Gomes, um homem de cultura e profundamente católico que viria a ser ordenado padre depois da morte de Alexandre Herculano, em Julho de 1876 declara-lhe com frontalidade, o seguinte:

Fala-me V. Ex.ª no catecismo. Foi por ele que ambos nós aprendemos tudo o que é necessário crer para a salvação. Não pego há muitos anos num catecismo. Como há diversos, agradeceria muito a V. Ex.* O indicar-me o titulo e a edição daquele em que vem essas cousas que devemos crer, mencionados os dogmas da Conceição Imaculada e da Infalibilidade do papa. E, a este propósito, talvez V. Ex.'' Possa indagar o motivo por que os vossos ilustradíssimos bispos, que foram ao Vaticano e decerto trouxeram na escarcé-la essas duas preciosidades, está com elas guardadas, e não publicam novos compêndios, onde as engastem, deixando assim ir de roldão para inferno aos respectivos rebanhos (…)

Nem mais, nem menos.
Não houve maneira de dar a volta a este homem notável que não encontrou nos clérigo aquilo que o podia ter demovido de criticar a Igreja, para ele mal servida pelo humano que a regia em nome daquele Deus que nos tempos em que escreveu "A Semana Santa" - tinha então 27 anos - tanto o emocionou, para depois se desiludir, como acontece na resposta acima dada, um ano antes da sua morte a Barros Gomes, que a propósito da realização do Vaticano I (1869-1870) tentou chamar ao redil aquela "ovelha tresmalhada" que, penso, se assim foi considerada para os homens da Igreja do seu tempo, não o foi para Deus, contra o qual, que se conheça, nunca se revoltou.

E tanto assim foi, que há, até, quem lhe chame "um poeta religioso", que certamente, Deus acolheu no seu seio pela sua infinita compreensão dos homens sinceros, como foi o grande escritor do século XIX, para além de ter sido um dos arautos cívicos dos mais considerados do seu tempo. 

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