I
Tíbio o sol entre as nuvens do
ocidente,
Já lá se inclina ao mar. Grave e
solene
Vai a hora da tarde! O oeste
passa
Mudo nos troncos da alameda
antiga,
Que à voz da Primavera os gomos
brota:
O oeste passa mudo, e cruza o
átrio
Pontiagudo do templo, edificado
Por mãos duras de avós, em
monumento
De uma herança de fé que nos
legaram,
A nós seus netos, homens de alto
esforço,
Que nos rimos da herança, e que
insultamos
A Cruz e o templo e a crença de
outras eras;
Nós, homens fortes, servos de
tiranos,
Que sabemos tão bem rojar seus
ferros
Sem nos queixar, menosprezando a
Pátria
E a liberdade, e o combater por
ela.
Eu não! – eu rujo escravo; eu
creio e espero
No Deus das almas generosas,
puras,
E os déspotas maldigo.
Entendimento
Bronco, lançado em século
fundido
Na servidão de gozo ataviada,
Creio que Deus é Deus e os
homens livres!
in, "A Harpa do Crente"
in, "A Harpa do Crente"
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Que mistério aconteceu em Alexandre Herculano, que a História regista como uma "ovelha fugida do redil", quando ele, como acontece nesta composição de "A Semana Santa" se mostra crente em Deus?
Direi que o grande historiador nunca deixou de o ser.
A sua rebeldia que não evitou ficasse conhecida, deveu-se a uma certa clerezia do seu tempo, porquanto, estando ele já retirado em Vale de Lobos, algo desiludido com os homens - incluindo os servidores do altar de Deus - e em resposta a Bernardino Barros Gomes, um homem de cultura e profundamente católico que viria a ser ordenado padre depois da morte de Alexandre Herculano, em Julho de 1876 declara-lhe com frontalidade, o seguinte:
Fala-me V. Ex.ª no catecismo. Foi
por ele que ambos nós aprendemos tudo o que é necessário crer para a salvação.
Não pego há muitos anos num catecismo. Como há diversos, agradeceria muito a V.
Ex.* O indicar-me o titulo e a edição daquele em que vem essas cousas que
devemos crer, mencionados os dogmas da Conceição Imaculada e da Infalibilidade do
papa. E, a este propósito, talvez V. Ex.'' Possa indagar o motivo por que os vossos
ilustradíssimos bispos, que foram ao Vaticano e decerto trouxeram na escarcé-la
essas duas preciosidades, está com elas guardadas, e não publicam novos
compêndios, onde as engastem, deixando assim ir de roldão para inferno aos
respectivos rebanhos (…)
Nem mais, nem menos.
Não houve maneira de dar a volta a este homem notável que não encontrou nos clérigo aquilo que o podia ter demovido de criticar a Igreja, para ele mal servida pelo humano que a regia em nome daquele Deus que nos tempos em que escreveu "A Semana Santa" - tinha então 27 anos - tanto o emocionou, para depois se desiludir, como acontece na resposta acima dada, um ano antes da sua morte a Barros Gomes, que a propósito da realização do Vaticano I (1869-1870) tentou chamar ao redil aquela "ovelha tresmalhada" que, penso, se assim foi considerada para os homens da Igreja do seu tempo, não o foi para Deus, contra o qual, que se conheça, nunca se revoltou.
E tanto assim foi, que há, até, quem lhe chame "um poeta religioso", que certamente, Deus acolheu no seu seio pela sua infinita compreensão dos homens sinceros, como foi o grande escritor do século XIX, para além de ter sido um dos arautos cívicos dos mais considerados do seu tempo.
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