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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A "leiteirinha"... de Gomes Leal e que, ainda, foi minha!

Gomes Leal
Caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro
in, livro "O Anjo Rebelde" de Júlio Dantas

Pregões matinais

Passo ás vezes na cama um dia inteiro
de papo para o ar, como um madraço ...
fumando qual filósofo ou palhaço,
- sem mulher ... sem cuidados ... sem dinheiro!

É de manhã então que me é fagueiro
ouvir trinar no cristalino espaço
um pregão mais macio que um regaço,
que se esvai a carpir ... como um boieiro ...

De manhã é que passa a leiteirinha,
com seu pregão chilrado de andorinha,
passam varinas de gargantas sãs ..

E ao escutar tais cantantes semifusas,
eu creio que oiço ao longe as frescas Musas
- a vender uvas e apregoar maçãs.

Gomes Leal
Mefistófeles em Lisboa
in, Revista "Argus" Maio de 1907

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Ainda me recordo de alguns pregões de antigamente que, eram costumes de uma certa Lisboa desaparecida.

Tinham eles a graça de encher as ruas e de lhes dar no bulício rotineiro o tom àlacre daquele modo característico como os comerciantes ambulantes anunciavam a mercadoria que traziam para vender, pelo que, neste pormenor citadino, Gomes Leal se parece a Cesário Verde pelo mesmo amor às coisas da Lisboa de então, que são hoje, para os que, ainda as viveram, um grata recordação.

Também eu me recordo da minha leiteirinha - a D. Sara que Deus lá tem - que vinha todas as manhãs a minha casa, numa rua que ainda existe, lá para as bandas dos Olivais, vender o leite ainda morno da ordenha, de uma quinta - que já não existe e onde pastavam vacas - e que ela anunciava com  seu pregão chilrado de andorinha, como diz Gomes Leal, para ser o meu primeiro regalo da manhã.

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