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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

"O estudante alsaciano" - um poema de Acácio Antunes


O estudante alsaciano

Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor as cãs e a barba branca
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho, que sorria
E era como criança em meio das crianças.
Como ao pombal correndo em bando as pombas mansas,
Corriam para a escola; e nem sequer assomo
De aversão ou desgosto, ao ir para ali como
Quem vai para uma festa. Ao começar o estudo,
Eles, sem um pesar, abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente — uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando aquele,
De manso, com carinho e paternal amor.

Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra dum sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Frequentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
— Mas de intima tristeza aquele olhar velado
Modesto no trajar, de luto carregado...
— Pela pátria talvez! — Doze anos só teria.
O mestre, d’uma vez, chamou-o á geografia:

— "Disse-me cá, rapaz... Que é isso? estás de luto?
Quem te morreu?"
— "Meu pai, no último reduto,
Em defesa da pátria!"

— "Ah! sim, bem sei, adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quase são as principais nações da Europa? Vá!"

— "As principais nações são... a França..."
— "Hein? que é lá?...
Com que então, a primeira a França! Bom começo!
De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale, a que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio ás mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
Donde irradia a ciência a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!"

Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou num gesto negativo,
E tornou com voz firme:

— "A França é a primeira!"
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.

— "Sabes onde está a França? Aponta-ma no mapa!"
O aluno ergue-se então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os estudantes
Olham cheios de assombro aquele destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
Tímido feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desaperta, febril, a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança
Exclama:
— "É aqui dentro! aqui é que está a França!"

Acácio Antunes
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Hei-de morrer a lembra-me deste estudante nacionalista, ante o seu professor alemão, por me lembrar que aquele adolescente - devia ser entendido - como um de nós em qualquer parte do Mundo, se o sentido da Pátria não estivesse a definhar, o que é - convenhamos - um "crime" que a velha Europa está a cometer.

A Alsácia - era, então, um território germanófilo quando foi anexado pela França no reinado de  Luis XIV, pelo que aquele rapazinho ao resistir ao professor alemão, se pareceu com muitos alemães que resistiram à imposição dos costumes franceses, por obra do Rei-Sol, no século XVII.

Território cobiçado pela riqueza mineral do carvão, em 1870 no decorrer da guerra Franco-Prussiana a Alsácia, voltou de novo à posse dos alemães no transcurso do processo da unificação da Alemanha, num tempo em que a cultura francesa estava já muito enraizada.

No fim da I Guerra Mundial, com a assinatura do Tratado de Versalhes a Alsácia na sua dança territorial voltou de novo para a França, tendo-se dado o inverso, no decorrer da  II Guerra Mundial em que voltou, mais uma vez para a Alemanha e, em que, tendo deixado o estatuto de terra ocupada passou a ser parte de direito da então chamada Grande Alemanha, tendo regressado, agora como uma região administrativa de França, em 1944.

O poema de Acácio Antunes - O Estudante Alsaciano - representa, por isso, o sentir patriótico de um rapazinho que imbuído da cultura francesa a não queria voltar a perder como havia acontecido com os seus avós, pelo que é - e devia ser para sempre - um hino de amor à Pátria que nos viu nascer, seja ela qual seja.

Como não é proibido se nacionalista no bom sentido, ou seja - não belicoso- mas sentir na alma o ar que se respira, o poema aqui fica.

2 comentários:

  1. recitei muito esse poema quando estudante

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  2. Eu devia ter 10 anos quando, no Grupo Escolar, fui escolhida para declamar este poema,! Nunca esqueçl....

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