Pesquisar neste blogue

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

"O meu condado" - Um soneto de António Nobre


O MEU CONDADO

No campo azul da alada fantasia
Edifiquei outrora, por meu mal,
Castelos de oiro, esmalte e pedraria,
Torres de lápis-lazúli e coral.

Numa extensão de léguas, não havia
Quem possuísse outro domínio igual:
Tão belo, assim tão belo, parecia
O território de um senhor feudal...

Um dia (não sei quando, nem dei donde),
Um vento agreste de indiferença e "spleen"
Lançou por terra, ao pó que tudo esconde,

O meu condado — o meu condado, sim!
Porque eu já fui um poderoso conde,
Naquela idade em que se é conde assim...


...............................................................................................................


Há em toda a poesia de António Nobre um cunho saudosista de mistura com o simbolismo que ele viveu junto das suas origens nortenhas, no qual ele funda com o seu arado de fino recorte num terreno que a doença ajudou a refinar, sentimentos de criança que nunca abandonou ao longo da sua curta vida.

Há, com efeito, neste condado fantasioso ressaibos da sua meninice em que na idade dos sonhos próprios da idade, em que se não sonhamos com realezas, sonhamos com condados, porquanto uma e outra coisa, são apenas, o fruto da idade dos sonhos que se julgam possíveis de alcançar e nos quais, a realidade nos mostra que para a realeza ou para os condados sonhados, a vida, o que nos dá, tantas vezes, é o contrário do sonho.

António Nobre - que viveu apenas 33 anos - sentiu isso e di-lo com frontalidade, sem mascarar a realidade existencial que nele ganhou a batalha contra as suas fragilidades humanas que cedo cederam perante um inimigo, forte demais que não foi capaz de vencer.

Um dia (não sei quando, nem dei donde),
Um vento agreste de indiferença e "spleen"
Lançou por terra, ao pó que tudo esconde,

Sem comentários:

Enviar um comentário