in, "Introdução à Filosofia"
de Maria Antónia Abrunhosa, Miguel Leitão e Rogéria Resende (1980)
Diz Alain (pseudónimo literário do filósofo francês Émile-Auguste Chartier) que toda a verdade se torna falsa no momento em que nos contentamos com ela, ou seja, no pensamento deste ilustre literato francês cuja vida se repartiu entre 1868 e 1951, o homem é - e vai continuara a ser - e eterno cabouqueiro da verdade, porque dentro do cognosicível que pode abarcar, vão continuar a existir perguntas sobre perguntas.
O homem é, assim, o perguntador recorrente que em cima duma "verdade alcançada" é ele mesmo que costuma pô-la em dúvida quando a partir dela - deixando de a ter como definitiva - procura ir mais além na interrogação das coisas.
Eis, porque Fernando Pessoa através do seu heterónimo Àlvaro de Campos nos deixou para interrogação nossa este passo, que foi interrogação sua:
Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade
terrível - a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser, que é haver ser,
Perante este abismo de existir
um abismo,
Este abismo de a existência de
tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente
ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
- Perante isto tudo como tudo o
que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto construem, desfazem
ou se construi ou desfaz através deles,
Se empequena!
Não, não se empequena... se
transforma em outra coisa -
Numa só coisa que está para além
dos deuses, de Deus, do Destino -
Aquilo que faz que haja deuses e
Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para
que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de
todas as formas
De todas as vidas, abstractas ou
concretas,
Eternas ou contingentes.
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu
tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo
não se abrangeu explicar porque é um tudo,
Porque há qualquer coisa, porque
há qualquer coisa, porque há qualquer coisa!(...)
Porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa...e assim o homem comum vai continuar a interrogar e interrogar-se sobre esta qualquer coisa que não lhe larga o pensamento - Deus ou Destino - ou um simples deuse a quem faz perguntas quando o não preenche na parte que pode alcançar pelo raciocínio, a resposta que não tarda a ser falsa, porque a ela vai suceder eternamente uma nova pergunta, uma nova inquietação sobre aquilo que subsiste através de todas as formas...
E é na resolução desta dízima infinita que parece ter-se fixado o pensamento de Alain, quando na "História dos Meus Pensamentos" disse: A coisa mais difícil do mundo é dizer pensando o que todos dizem sem pensar, ou seja, assentar-se o homem numa conclusão pensada - ainda que a ela sobrevenha uma nova conclusão pensada está acima de tudo quanto se diz sem pensar - porque este modo de agir não compromete racionalmente, enquanto o que se diz, pensando, podendo não ser um modo definitivo de resolver a dízima que continua infinita continua a coloca o homem em busca da verdade.
E é para isto que se vive... ou se desiste de viver, se o homem passa a actuar na vida falando sem pensar, dizendo o que todos dizem... quando qualquer trabalho intelectual o que tende é caminhar sobre regras lógicas que lhe possibilitam não ceder ou cair no erro sistemático, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa, porque há qualquer coisa.
Deus ou Destino!
Sem comentários:
Enviar um comentário