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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Oração de Nietzsche ao "Deus Desconhecido".


Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!

Creio que muitas pessoas o que mais conhecem do filósofo alemão Friedrich Nietsche, nascido quando o século XIX caminhava a meio do percurso é esta frase, mas não a completa como acima se reproduz, mas apenas: "Deus está morto"... e ficam por aqui na sua análise a este vulto maior do pensamento humano, quando, em boa verdade o filósofo - sem se negar que ele foi um acérrimo opositor clerical - não se quis referir ao Deus vivo que é imortal, mas ao Deus de uma metafísica inventada pelos homens, porque não podemos esquecer que Nietsche estudou teologia e a "Oração ao Deus desconhecido" levando-se em conta que o filósofo viveu, apenas 56 anos, foi escrita, num tempo de profunda introspecção de si mesmo.

Oração ao Deus desconhecido

Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direcção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.

Sobre esses altares está gravada em fogo
Esta palavra: “ao Deus desconhecido”
Eu sou teu, embora até o presente
Me tenha associado aos sacrílegos.
Eu sou teu, não obstante os laços
Me puxarem para o abismo.
Mesmo querendo fugir
Sinto-me forçado a servi-Te.

Eu quero -Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero-Te conhecer e a Ti servir.

Traduzido do alemão por Leonardo Boff)


Deus está morto!


É, possivelmente a frase mais conhecida e, também, a mais incompreendida de Nietzche por pertencer a um homem que viveu um ateísmo convicto e, logo, parece não fazer sentido o anúncio de um "Deus morto" se nem sequer se acreditava n'Ele, mas tem de ser à luz de motivos éticos que aquela frase tem de ser entendida, porque nela o que está é a condenação do espírito da época em que ele viveu, com uma Europa rendida a um niilismo que ao negar todo o princípio religioso e que a Igreja se acobertava por detrás dos ritos e punha a moral por trás de teologia, resultava que todo o sentido da religião pura enfraquecia  assim como a crença no Bem e no Verdadeiro.

Não se pode esquecer o resto da frase: Deus permanece morto!.... para afirmar logo a seguir: E quem o matou fomos nós!

Indo ao fundo da questão e é intrigante o que Nietzche quis dizer, sendo um ateísta,  é que a morte de Deus, foi uma metáfora que a sua mente concebeu para o facto dos homens do seu tempo - onde ele se incluía - terem deixado de crer numa ordenação cósmica e transcendental, a ponto de rejeitarem os valores absolutos, logo, Deus estava morto e haviam sido seus "assassinos" os próprios homens, deixando assim vazio um Trono que deixou de pertencer ao Deus da História sobrenatural para se assentarem nele aqueles que o negavam.

Nietzche foi ainda mais longe: o Evangelho morreu na Cruz... porque os homens se haviam esquecido de seguir Jesus Cristo na sua doutrina fiel.

Com esta afirmação nada criou de novo, porque, antes dele, muitos já haviam anunciado a "morte" da Igreja e em consequência a morte de um Deus que a havia fundado, sem cuidarem que até eles, os negadores do Absoluto, bem no fundo de si mesmos acreditavam numa Ordem criada, pelo que negar que Nietzche foi um homem despegado dessa Ordem é esquecer que ele foi um filósofo espiritual de que nos dá conta na sua obra prima: Assim falou Zaratustra, pelo que o poema - Oração a um Deus desconhecido - nos dá um pista fundamental para entendermos este poema espiritual  e teísta.

E isto leva-nos a pensar que existe em cada homem uma relação muito especial dom o problema de Deus... parece, até, correcto dizer-se que quanto mais sábio o homem é, mais complexa é a interpretação que ele faz desse Ser espiritual, pelo que se meditarmos na primeira das estrofes o que ali é dito por Nietzche é um turbilhão de sentimentos desencontrados que têm o desejo de se encontrar para entenderem o melhor dos caminhos que se deve tomar.

Atente-se no que nos diz o filósofo:

Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direcção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.

Depois disto o que fica e nos deve interpelar é o grande Mistério que paira suspenso de um Deus desconhecido, mas que se torna palpável, se entretanto, o homem do nosso tempo abandonar o velho e estafado niilismo que apareceu com o advento da Revolução Francesa e que marcou este filósofo, que fez o diagnóstico da doença espiritual do seu tempo tentando dar-lhe um remédio, mas sem efeito prático, porque o Deus desconhecido da sua oração assim vai continuar até ao fim dos tempos e os homens, tal como rezou o filósofo hão continuar a pedir:

                                          Eu quero -Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero-Te conhecer e a Ti servir.

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