Morreu hoje Mário Soares.
Paz à sua alma.
Curvo-me respeitosamente ante a sua memória, porque não esqueço que a ele se deve Portugal não ter sido em 1975 um satélite comunista, dada a sua determinação logo nos alvores da Revolução de 25 de Abril de 1974 e a partir do segundo 1º de Maio de 1975, onde as águas se começaram a apartar entre a Democracia e a Liberdade plural e a Ditadura de Moscovo onde a liberdade só existia para os escolhidos.
Como todos os grandes vultos da História dos povos, Mário Soares deixa uma marca indelével, mesmo nos momentos dos seus últimos anos de vida política, onde pelas suas intervenções públicas houve quem sentisse que poderia ter evitado algumas delas - como a do dia 30 de Maio na Aula Magna - mas sem pensarem que Mário Soares não era homem para calar o que lhe ia na alma, doesse a quem doesse, e isso, quanto a mim reverte a favor do homem que ele foi.
Estou a referir-me ao facto de ter sido um político controverso, ou seja, moldou-se quando foi preciso para "levar a água ao seu moinho", tendo em mente a liberdade conquistada - e por isso, num dado momento "meteu o socialismo na gaveta" e foi inflexível para os seus adversários políticos quando lhe pareceu que sê-lo era uma mais valia para defesa do socialismo democrático que lhe encheu a vida.
Estou a referir-me ao facto de ter sido um político controverso, ou seja, moldou-se quando foi preciso para "levar a água ao seu moinho", tendo em mente a liberdade conquistada - e por isso, num dado momento "meteu o socialismo na gaveta" e foi inflexível para os seus adversários políticos quando lhe pareceu que sê-lo era uma mais valia para defesa do socialismo democrático que lhe encheu a vida.
Para lembrar - e para guardar - fica aqui o texto completo do seu discurso na Fonte Luminosa da cidade de Lisboa, onde de uma vez por todas Mário Soares se agigantou contra a cúpula de paranóicos, como ele apelidou a direcção do Partido Comunista Português (PCP) e do mesmo modo a cúpula dos dirigentes da Intersindical, - a agremiação dos Sindicatos conotados com o PCP - pelo facto de estarem a tentar torcer - a favor de uma ditadura comunista - a liberdade que fora conquistada, ou seja, depois de termos derrubado uma ditadura desejavam que o povo ficasse debaixo da alçada de uma outra ditadura, apenas de sinal político contrário.
EM 19 DE JULHO DE 1975
AQUILO QUE A CÚPULA DEMANTADA DO
PCP E OS IRRESPONSÁVEIS
DA INTERSINDICAL QUERIAM NÃO FOI
POSSÍVEL
«O dia de hoje foi um dia grave
na história do nosso povo. Depois de uma campanha alarmista de boatos sem
precedentes, de uma ‘intentona’ artificial, de uma falsa conjura com intenção
de enganar o povo; depois disso, organizaram-se barreiras para impedir que o
povo dos arredores de Lisboa, deputações do povo de Portugal viesse aqui
manifestar-se livremente, em favor da liberdade, da democracia, do socialismo.
Os responsáveis pela ‘intentona’ monstruosa têm de responder perante o povo
português. Não pode impunemente provocar-se e mentir-se ao povo português.
Dividir as massas trabalhadoras com uma campanha de falsos boatos, pôr em
perigo a nossa revolução. Onde esteve no dia de hoje, aqui nesta praça, a
contra-revolução? A verdade é que a contra-revolução estava nas barragens
organizadas pelos energúmenos, agitadores e arruaceiros para impedir que o povo
de Portugal se manifestasse e dissesse qual era a sua vontade.
É uma cúpula de paranóicos, a
direcção do PCP. É uma cúpula de irresponsáveis a dos dirigentes da
Intersindical, que não representam o povo português. E as Forças Armadas, dando
cobertura a esses irresponsáveis, indo acreditar que havia uma marcha sobre
Lisboa, que nunca existiu – que só existiu na cabeça desses paranóicos –
constituíram também graves responsabilidades.
Eu explico ao MFA porque é que o
comportamento deles, aqui em Lisboa, foi responsável e mal feito, aos nossos
olhos.
No Porto, os energúmenos da
Direcção da Organização Regional do Norte do PCP também deram ordens para
paralisar a cidade do Porto, para que o comércio fechasse, os transportes não
funcionassem, para cortar árvores e as lançar nas estradas a fim de impedir os
acessos ao Porto. Mas como aí eles não foram protegidos por tropa, essas
barragens não resistiram, e ninguém seguiu as palavras de ordem deles.
Ontem, no Porto, 31 direcções de
sindicatos deram ordem para parar a vida da cidade, mas nada parou, ninguém
obedeceu. Aqui em Lisboa, se as barragens não estivessem protegidas por
militares, estaria agora aqui seguramente mais de meio milhão de portugueses,
para se armar, ao nosso lado, em favor da liberdade, do socialismo, da
revolução e da democracia. Nós temos o direito de saber o que descobriram
nestas barragens. Será que tenham descoberto armas contra-revolucionárias ou
spinolistas? Não, eles queriam impedir de vir aqui o povo português, que está
com a revolução e o socialismo.»
A verdade é que a vossa presença
aqui, o vosso entusiasmo ao longo deste comício, o vosso espírito de
militância, a vossa confiança num partido de esquerda, no Partido Socialista,
que é o nosso Partido, pois a vossa presença foi a prova de que nós vencemos e
que aquilo que a cúpula dementada do PCP e os irresponsáveis da Intersindical
queriam não foi possível. Eles queriam amordaçar a voz do Povo que será ouvida
pelas ruas do nosso país. A vossa presença torna evidente um facto
extraordinário que vai ter profundas consequências na vida política portuguesa.
Em primeiro lugar ela torna patente que não é possível continuar com essa
técnica de chamar reaccionários e fascistas a tudo o que não é comunista do PCP
ou apaniguado, ou do filhote MDP.
Esta demonstração formidável (e
mais formidável ainda pelos obstáculos que se levantaram) prova que nada pode
vencer a determinação popular de estar connosco.
Tanto mais que não dispomos da
Televisão, nem de rádio, nem dos jornais de Lisboa. Desse Século e desse Diário
de Notícias que são o Pravda e o Izvestia portugueses. Mas exactamente porque
foi levantada uma operação de propaganda sem precedentes, uma campanha de
boatos para intimidar a população, dizendo que haveria desordens, que
rebentariam bombas, que estaria aqui a contra-revolução, e outras patranhas do
mesmo género: apesar de toda essa campanha, nós pudemos estar aqui sem dispor
dos meios de comunicação social».
Pouco depois afirmaria «Dizemos
que a reacção não passará, mas digamos também que a social-reacção não passará.
Temos dito, e prova-se na prática da nossa acção política quotidiana, que nós
não somos anticomunistas. Quem está a provocar o anticomunismo, como nem
Caetano nem Salazar foram capazes de provocar é a cúpula reaccionária do PCP».
A seguir informou que «os
soldados que estavam a formar as barricadas na Portela de Sacavém,
compreendendo a figura ridícula que faziam às ordens de um partido minoritário,
reuniram-se em plenário e resolveram acabar com as barricadas. Esses soldados
acabam de dar com esse acto de civismo uma grande lição de civismo a certos
oficiais que saltaram rapidamente de capitães a generais».
A situação portuguesa é de tal
maneira grave, o ambiente requer um Governo de salvação nacional e de unidade
das forças políticas, que nós dizemos daqui ao Presidente da República e ao
Conselho da Revolução que o primeiro-ministro designado para constituir o 5.º
Governo Provisório não nos parece ser neste momento um factor de coesão e de
unidade nacional. Portanto dizemos-lhes, com a autoridade de sermos um partido
maioritário na representação do povo português, que será melhor eles escolherem
uma outra individualidade que dê mais garantias de apartidarismo real, para que
possa formar um governo de coligação nacional.
Camaradas, o Partido Socialista
não reivindica o poder, neste momento. Não é disso que se trata. A hora é
extraordinariamente grave, e o Partido Socialista deseja que o Governo
Provisório seja presidido por uma personalidade do MFA. Infelizmente deseja que
ela seja, com provas dadas, efectivamente apartidária, acima dos partidos e
independente. O PS não rejeita as suas responsabilidades perante os dois
milhões e meio de portugueses que nele votaram.
O Partido Socialista está junto
do povo para assegurar o prosseguimento de uma política de esquerda, uma
política progressista que conduza à construção de uma verdadeira sociedade
socialista e não de um capitalismo de Estado servido por um exército de
burocratas e polícias, que denotam um imenso apetite de poder e de dinheiro.
Nós pensamos que se produziu
neste País, graças à política aventureirista do PCP, um fenómeno como se dá nos
corpos quando se enxerta neles um corpo estranho. Esse fenómeno de rejeição é
perigoso, e nós convidamos sinceramente as bases do Partido Comunista, os
nossos camaradas comunistas das bases, que não podem certamente estar de acordo
com as perseguições que a cúpula está a implantar como se quisesse transformar
a nossa Pátria, o nosso belo País, num imenso campo de concentração.
O MFA que faça pois atenção,
porque a hora é de autocrítica, é de emendar os erros passados. E esse MFA que
iniciou esta revolução que foi chamada justamente a mais bela da Europa, uma
revolução das flores, esse MFA se escutar a voz do Povo, tem todas as condições
para, aliado ao Povo, poder salvar ainda a nossa revolução que está em perigo,
porque há aqui e ali manchas de contra-revolucionários que querem polarizar à
sua volta o descontentamento provocado pelo sectarismo e pelo fanatismo
intolerável dos sociais-reaccionários que são a direcção do PCP».
Continuando, demoveu a multidão
de se dirigir ao Palácio de Belém para reivindicar a permanência do PS no
governo dizendo que tal «seria pedir a todos um sacrifício inútil.
Uma marcha desta natureza poderia
dar lugar a encontros e afrontamentos. Nós sabemos que não temos medo mas que
como partido responsável fazemos tudo para evitar. Os arruaceiros são eles e
não o PS. Proponho-vos camaradas outra coisa porventura mais útil e quando
todos reclamam acção eu posso prometer-vos que a partir de hoje o PS está
mobilizado para a acção e agitará para impor a sua voz e a sua determinação de
construir um socialismo em liberdade. Proponho-vos, pois, camaradas, que os
nossos militantes vão para as nossas sedes e para as nossas secções e estejam
lá tranquilamente a defender as nossas casas, as nossas sedes, que são as casas
e as sedes do Povo Português.
Há boatos de que há grupos
minoritários que querem atacar esta noite as sedes do nosso partido. Estamos
convencidos de que se trata apenas de boatos mas como ensina um velho ditado da
sabedoria popular, e tendo em vista o que se passou hoje nas entradas de Lisboa
e por esse País fora, o seguro morreu de velho. Eu creio que tal não será necessário
mas, a partir de hoje, o Partido Socialista estará mobilizado. Cada um de nós
no seu local de trabalho, nas empresas, nos campos, nos ministérios, saberá
fazer chamar ao Povo a voz do Partido Socialista lutar contra as calúnias,
organizarmo-nos, dar luta contra a reacção, em favor da liberdade. Nós seremos
invencíveis e as minorias convencer-se-ão com a prova dos números e com a prova
dos factos.
Este foi um dia de vitória.
Tenhamos confiança no futuro, tenhamos confiança no nosso Povo. A revolução está
em marcha e não pára.
Venceremos!»
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