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sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

"À Lisboa das Naus Cheias de Glória" - Um poema de António Nobre



À LISBOA DAS NAUS CHEIAS DE GLORIA

I

Lisboa à beira-mar, cheia de vistas
Ó Lisboa das meigas Procissões
Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas!
Ó Lisboa dos líricos pregões...
Lisboa com o Tejo das Conquistas,
Mais os ossos prováveis de Camões!
Ó Lisboa de mármore, Lisboa!
Quem nunca te viu, não viu coisa boa.

                                              II

És tu a mesma de que fala a História?
Eu quero ver-te, aonde é que estes, aonde?
Não sei quem és, perdi-te de memoria,
Diz-me, aonde é que o teu perfil se esconde?
Ó Lisboa das Naus, cheias de gloria,
O Lisboa das Crónicas, responde!
E carregadas vinham almadias
Com noz, pimenta e mais especiarias.

III

Ai canta, canta ao luar, minha guitarra,
A Lisboa dos Poetas Cavaleiros!
Galeras doidas por soltar a amarra,
Cidade dc morenos marinheiros,
Com prôa para países cstrangciros! _
Uns p'ra França, acenando Adeus! Adeus!
Outros pr'ás Índias, outros... sabe-o Deus!

IV

Ó Lisboa das ruas misteriosas!
Da Triste Feia, de João de Deus, ‘
Beco da Índia, Rua das Formosas,
Beco do Fala-Sò (os versos meus...)
E outra rua que eu si de Duas Rosas,
Beco do Imaginário, dos Judeus,
Travessa (julgo eu) das Isabeis,
E outras mais que eu ignoro e vós sabeis!

V

Meiga Lisboa, mística cidade!
(Ao longe o sonho desse Mar sem fim.)
Que pena faz morrer na mocidade!
Teus sinos, breve, dobrarão por mim.
Mandai meu corpo em grande velocidade,
Mandai meu corpo p'ra Lisboa, sim?
Quando eu morrer (porque isto pouco dura)
Meus Irmãos dai-me ali a sepultura!

VI

Luar de Lisboa! Aonde o há igual no Mundo?
Lembra leite a escorrer de tetas nuas!
Luar assim tão meigo, tão profundo,
Como a cair d’um céu cheio de luas!
Não deixo de o beber nem um segundo,
Mal o vejo apontar por essas ruas.
Pregoeiro gentil lá grita a espaços:
"Vai alta a lua!" de Soares de Passos.

VII

Formosa Sintra, onde, alto, as águias pairam,
Sintra das solidões! Beijo da Terra!
Sintra dos noivos, que ao luar desvairam,
Que vão fazer o seu ninho na serra;
Sintra do Mar! Sintra de Lorde Byron,
Meu nobre camarada de Inglaterra!
Sintra dos Moiros com os seus adarves,
E, ao longe, em frente, o Reino dos Algarves

VIII

Romântica Lisboa de Garrett!
O Garrett adorado das mulheres,
Hei-de ir deixar-te, em breve, o meu bilhete
À tua linda casa dos Prazeres.
Mas qual seria a melhor hora, às sete,
Garrett, para tu me receberes?
O teu porteiro disse-me, a sorrir,
Que tu passas os dias a dormir.

IX

Pois tenho pena, amigo, tenho pena;
Levanta-te dai, meu dorminhoco!
Que falta faz à Lisboa amena!
Anda ver Portugal! Parece louco.
Que pátria grande! Como está pequena!
E tu dormindo sempre aí no "choco».
Ah! Como tu, dorme também a Arte.
Pois vou-me aos toiros, que o comboio parte!

X

Ó Lisboa vermelha das toiradas!
Nadam no Ar amores e alegrias.
Vede os Capinhas, os gentis Espadas,
Cavaleiros, fazendo cortesias.
Que graça ingénua! Farpas enfeitadas!
O Povo, ao Sol, cheirando às maresias!
Vede a alegria que lhe vai nas almas!
Vede a branca Rainha, dando palmas!

XI

Ó suaves mulheres do meu desejo,
Com mãos tão brancas feitas p'ra caricias!
Ondinas dos Galeões! Ninfas do Tejo!
Animaezinhos cheios de delícias.
Vosso passado que longínquo o vejo!
Vos sois Árabes, Celtas e Fenícias!
Lisboa das Varinas e Marquesas.
Que bonitas que são as Portuguesas!

XII

Senhoras! Ainda sou menino e moo,
Mas amores não têm nem carinhos!
Vida tão triste suportar não posso:
Vês que ides à novena, aos Inglesinhos.
Senhoras, rezai por mim um Padre-nosso,
Nessa voz que tem beijos e é de arminhos.
Rezai por mim, vereis,- vossos pecados,
(Se acaso os tendes), vos serão perdoados.

XIII

Rezai, rezai, Senhoras por aquele
Que no Mundo sofreu todas as dores!
Ódios, traições, torturas, - que sabe ele!
Perigos de agora, e ferro e fogo, horrores!
E que, hoje, aqui está, só osso e pele,
A espera que o enterrem entre as flores....
Ouvi: estão os sinos a tocar:

Senhoras de Lisboa! Ide rezar!


António Nobre viveu pouco e sofreu muito.


Este poema faz parte do seu livro DESPEDIDAS escrito entre os anos de 1895 a 1899, tendo o Poeta falecido em 1900, um ano depois de o ter acabado de escrever e o livro publicado postumamente.

A "Revista Municipal" da edildade de Lisboa, no seu nº 3 - I Ano - 1940, na secção dedicada ao "Cancioneiro de Lisboa" fez publicar na íntegra esta poesia de António Nobre dedicada "À LISBOA DAS NAUS CHEIAS DE GLÓRIA" que é, segundo alguns olissiponenses uma das mais belas composições poéticas sobre a cidade de Lisboa, pese, embora, a parte final em que nalgumas estrofes, António Nobre no fim da doença dos pulmões que tão cedo o vitimou, não tivesse fugido a falar do mal que o consumia.

Mas é emocionante que tenha pedido às Senhoras de Lisboa - onde não faltaram as Varinas,  para rezarem Padres-Nossos por ele, nessa voz que tem beijos e é de arminhos, àquele que estava ali - osso e pele - à espera de o enterrarem entre as flores, que podiam ser de Lisboa onde desejou ser enterrado, porque a morte não escolhe a terra onde o arcaboiço do corpo se torna em pó... em nada.

Meiga Lisboa, mística cidade!
(Ao longe o sonho desse Mar sem fim.)
Que pena faz morrer na mocidade!
Teus sinos, breve, dobrarão por mim.
Mandai meu corpo em grande velocidade,
Mandai meu corpo p'ra Lisboa, sim?
Quando eu morrer (porque isto pouco dura)
Meus Irmãos dai-me ali a sepultura!

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