A POESIA
Vou de comboio…
Vou
Mecanizado e duro como sou
Neste dia;
- E mesmo assim tu vens, tu me
visitas!
Tu ranges nestes ferros e
palpitas
Dentro de mim, Poesia!
Vão homens a meu lado
distraídos
Da sua condição de almas
penadas;
Vão outros à janela. diluídos
Nas paisagens passadas…
E porque hei-de ter eu nos meus
sentidos
As tuas formas brancas e
seladas?
Os campos, imprecisos, nos meus
olhos,
Vão de braços abertos às
montanhas;
O mar protesta contra não sei
quê;
E eu, movido por ti, por tuas
manhas,
A sonhar um painel que se não
vê!
Porque me tocas? Porque me
destinas
Este cilício vivo de cantar?
Porque hei-de eu padecer e ter
matinas
Sem sequer acordar?
Porque há-de a tua voz chamar a
estrela
Onde descansa e dorme a minha
lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?
Poeta sou e a ti me escravizei,
Incapaz de fugir ao meu
destino.
Mas, se todo me dei,
Porque não há-de haver na tua
lei
O lugar de menino
Que a fazer versos e a crescer
fiquei?
Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem
sentisse!
Alguém que visse padecer
E não visse…
Alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe a cada hora
Sem saber o que faz…
Alguém que não tivesse
sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de
exprimir…
Alguém que se deitasse
No banco mais comprido que
vagasse
E pudesse dormir…
Mas eu se que não posso.
Sei que sou todo vosso,
Ritmos, imagens emoções!
Sei que serve quem ama
E que eu jurei amor à minha
dama,
A mágica senhora das paixões.
Musa bela, terrível e sagrada,
Imaculada Deusa do condão:
Aqui vou de longada;
Mas aqui estou, e aqui serás
louvada,
Se aqui mesmo me obriga a tua
mão!
Miguel Torga
in, “Odes”(1946)
Este hino de amor à Poesia, belo e extenso, escrito ao sabor do andamento do comboio onde ia embarcado, Miguel Torga faz muitas perguntas ao destino que o fadou Poeta - e dos maiores da Língua Portuguesa - mas de todas elas a que mais profundamente tocou a minha sensibilidade foi aquele seu desejo de se poder transmutar e esquecer que levava dentro dele um destino a que não podia fugir...
Quantas vezes ao longo da minha vida - que já não é breve - eu tenho tido desejos de me abandonar a um estado - que não sendo o do meu fado - nele me pudesse sentir mais liberto e tivesse vontade sem respeitos humanos de me deitar nas muitas viagens que já fiz de comboio no banco mais comprido que vagasse, sem cuidar que a minha postura era uma falta de respeito pelos meus companheiros de viagem de iam de pé, vendo-me dormir... e tivessem pena de ma acordar!
Quantas vezes ao longo da minha vida me tem assaltado a pergunta de Miguel Torga - sem eu ser Poeta que se veja - mas noutros assuntos em que a vida se tem ido desenrolando, e pergunto à estrela que guia o meu destino:
Porque há-de a tua voz chamar a estrela
- Que razão te dei eu?
E a resposta é simples: a única razão que eu dou à vida para que eu continue a levar a "água ao meu moinho" é que, entendo como um dever sagrado - pelo facto de ser responsável perante os meus actos, de nunca me ter deitado no banco mais comprido que vagasse, porque no comboio da vida, eu sei, só posso - e devo - ocupar o meu lugar... e não tirar, para minha comodidade o lugar do outro.
Compreendo, assim, o desejo de Miguel Torga de tanto lhe ter apetecido deitar-se no banco mais comprido que vagasse do comboio onde ia embarcado e por entre os solavancos do qual pensou e alinhavou estes versos - que são um quadro de viagem - que depois compôs maravilhosamente no silêncio do seu escritório tansmontano de S. Martinho de Anta, ou - quem sabe? - num qualquer momento de intervalo das suas consultas de medicina.
Tanto me apetecia agora ser
Alguém que não cantasse nem sentisse!
Alguém que visse padecer
E não visse…
Alguém que fosse pelo dia fora
Neutro como um rapaz
Que come e bebe a cada hora
Sem saber o que faz…
Alguém que não tivesse sentimentos,
Pressentimentos,
E coisas de escrever e de exprimir…
Alguém que se deitasse
No banco mais comprido que vagasse
E pudesse dormir…
Quantas vezes ao longo da minha vida - que já não é breve - eu tenho tido desejos de me abandonar a um estado - que não sendo o do meu fado - nele me pudesse sentir mais liberto e tivesse vontade sem respeitos humanos de me deitar nas muitas viagens que já fiz de comboio no banco mais comprido que vagasse, sem cuidar que a minha postura era uma falta de respeito pelos meus companheiros de viagem de iam de pé, vendo-me dormir... e tivessem pena de ma acordar!
Quantas vezes ao longo da minha vida me tem assaltado a pergunta de Miguel Torga - sem eu ser Poeta que se veja - mas noutros assuntos em que a vida se tem ido desenrolando, e pergunto à estrela que guia o meu destino:
Porque há-de a tua voz chamar a estrela
Onde descansa e dorme a minha lira?
Que razão te dei eu
Para que a um gesto teu
A harmonia me fira?
- Que razão te dei eu?
E a resposta é simples: a única razão que eu dou à vida para que eu continue a levar a "água ao meu moinho" é que, entendo como um dever sagrado - pelo facto de ser responsável perante os meus actos, de nunca me ter deitado no banco mais comprido que vagasse, porque no comboio da vida, eu sei, só posso - e devo - ocupar o meu lugar... e não tirar, para minha comodidade o lugar do outro.
Compreendo, assim, o desejo de Miguel Torga de tanto lhe ter apetecido deitar-se no banco mais comprido que vagasse do comboio onde ia embarcado e por entre os solavancos do qual pensou e alinhavou estes versos - que são um quadro de viagem - que depois compôs maravilhosamente no silêncio do seu escritório tansmontano de S. Martinho de Anta, ou - quem sabe? - num qualquer momento de intervalo das suas consultas de medicina.
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