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sábado, 21 de janeiro de 2017

O lavrador Alexandre Herculano

in, Wikipedia
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Desiludido com a vida política nacional que em 15 de Maio de 1865 levara à dissolução da Câmara dos Deputados e em Maio do ano seguinte a remodelações governamentais sem ver nelas soluções reais para o País, Alexandre Herculano - o nosso grande cabouqueiro da História lusa - satisfazendo uma ideia antiga, em 1867, tendo comprado a Quinta de Vale de Lobos na Póvoa de Santarém, retirou-se de Lisboa e da sua vida agitada e dedicou-se nos dez anos que teve de vida ao cultivo da terra e do olival - tendo produzido um azeite com a marca "Herculano" - e embrenhou-se nos ambientes campestres que lhe proporcionaram os altos cedros e a mata onde abundavam carvalhos e pinheiros.


  
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Nas suas "Cartas" que se encontram publicadas dá conta de muitas personalidades com quem se correspondeu, pela procura e deferências que recebia dos que não podiam esquecer o homem culto, letrado - dos maiores das Letras Portuguesas - como aconteceu com a escritora Guiomar Delfina de Noronha Torrezão, uma lutadora da causa da emancipação das mulheres, tendo em defesa da sua causa publicado aos 22 anos o seu primeiro romance "Uma Alma de Mulher", tendo fundado o "Almanaque de Senhoras" que dirigiu até à sua morte, em 1898.

Eis uma resposta de Alexandre Herculano a uma carta de Guiomar Torrezão.

Ex.ma  Ser.ª 
Vale-de-Lobos,25 de Abril de 1872.

Esta vida rural, se moralmente é tranquila,não é materialmente descansada, sobretudo nas duas épocas em que os poetas mais se entretêm na contemplação das belezas campestres:  a primavera e o outono. 
É justamente, então, que o lavrador tem de atender maior número de questões da vida positiva. Abaixar os olhos para a terra quando os poetas mais os alevantam para o céu, é uma das condições da sua existência. 
Aqui tem V. Ex.ª  a causa de eu estar tanto tempo em divida duma resposta à carta de V. Ex.ª

Nos largos serões do estação invernosa tenho tentado traduzir alguns fragmentos do Orlando Furioso. É o que me esta mais à mão para enviar a V. Exª sem grande responsabilidade minha, simples responsabilidade de tradutor; e quase que dessa me eximirá V. Ex.ª.  Quando souber que estes trechos de versão foram feitos à vista do texto, nú de notas e comentários, e até sem auxilio dum dicionário italiano, de que está desprovida a pequena estante de Vale-de-Lobos. 
Antes como abuso sacrílego do que como abuso literário se deveria talvez considerar o deleite egoísta com que aproveitei a admirável concepção do divino poeta de Ferrara, para matar sobejidões tediosas de tempo nas longas noites de Inverno, longas, sobretudo, quando vêm associar-se com o inverno da vida. 

O menos legitimo, porém, do incentivo e a insignificância da obra, tudo a inesgotável bondade de V. Ex.“ perdoará à rusticidade do obreiro.
Remeto a V. Ex.ª um extenso fragmentado do primeiro canto, para que tenha por onde escolher alguma cousa menos ruim. Far-me-ia especial mercê em comunicar-me uma prova disso que escolhesse, dado que alguma cousa haja aí que, admitida no Almanaque me não venha a servir de bitafe. Carregar-me-ão de sobra os próprios pecados para não desejar sobrecarregar-me com os dos compositores e revisores. 

Sou com particular consideração 
de V. Ex.ª
Humilísimo servo

O Almanaque referido por Herculano é, precisamente, a publicação de que Guiomar Torrezão foi directora, o que demonstra o de quanto valioso ele foi, num tempo em que a mulher dava os primeiros passos para se libertar de grilhetas antigas, socialmente incomportáveis com o tempo novo que aos poucos ia acordando Portugal da letargia em que o sexo feminino vivia.

Que esta nota bem pequena sirva, ao menos, para acordar as novas gerações para esse vulto grande que foi Alexandre Herculano e as leve até aos seus livros sérios e profundos de análise histórica e, possa, demonstra de como é preciso e salutar a procura da vida do campo, onde só aí, se bebe por inteiro o ar balsâmico das paisagens.

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