O ROSÁRIO
Quando à noite contemplo
taciturno
estas contas antigas, o rosário
das minhas orações,
vejo em minh'alma o poema
legendário
dos velhos tempos das longínquas
eras
de santas devoções.
A cruz ebúrnea, onde agoniza o
Cristo,
é de um lavor subtil que nos
revela
um génio magistral,
obra de monge em merencória
cela,
piedoso artista há muito
adormecido
em velha catedral.
Tem séculos; talvez que nestes
contas
passasse outrora suas mãos
esguias
a castelã senil,
pensando triste nos saudosos
dias
em que a seus pés um menestrel
vibrava
o mimoso arrabil.
Talvez que este rosário
minorasse
as saudades da noiva lacrimante
que debalde esperou
em cada nau, que vinha do
Levante,
o seu donzel amado que partira
e nunca mais voltou.
Sobre a cota de um jovem
cavaleiro,
que o beijava por noite
estreladas
pensando em sua mãe,
ele assistiu às guerras das
cruzadas,
atravessou talvez a Terra Santa
e viu Jerusalém.
Talvez alguma freira, em triste
claustro,
de seus anos na doce primavera
só dele confiou
seus loucos sonhos de falaz
quimera,
e, apertando o rosário ao peito
ansioso,
consolada expirou.
Isto o que leio no rosário
antigo;
e, quando melancólico lhe beijo
as contas de marfim,
no ar escuto indefinido arpejo,
e então a crença, a mística
toada,
murmura dentro em mim.
Miniaturas
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Recordo-me...
Um dia, já longe, entrei na casa de um amigo meu - daqueles que não era preciso bater à porta porque a tinha sempre aberta para os amigos - e depois de percorrer a casa sem dar conta dele, fui encontrá-lo na varanda, na sua varanda comprida que ocupava todo o comprimento da fachada, sereno e místico a desfiar as contas do Terço.
Não o interrompi mas fiquei a olhar os seus olhos fixos na amplidão do horizonte que se via daquele local, enquanto os dedos, um a um, iam desfiando as contas no silêncio do crepúsculo da tarde.
Fiquei sem saber qual era o silêncio maior: se o da sua voz que rezava, se o do dia que findava a sua carreira.
Fiquei sem saber qual era o silêncio maior: se o da sua voz que rezava, se o do dia que findava a sua carreira.
No fim abeirei-me dele e trocamos o abraço do costume.
Recordo-me do que ele me disse, como se tivesse ocorrido ontem:
- Fica sabendo que rezei por ti!
Agradeci a oração onde se lembrara de mim e agradeço, hoje, aquele momento que não mais voltou!
E hoje, agradeço também ao Poeta Gonçalves Crespo a meditação que ele fez olhando O ROSÁRIO que tinha em suas mãos e, parece-me, que ele, profeticamente, antecipou aquilo que eu sinto pelo momento vivido na varanda da casa do meu velho amigo, porque,
Isto o que leio no rosário antigo;
e, quando melancólico lhe beijo
as contas de marfim,
no ar escuto indefinido arpejo,
e então a crença, a mística toada,
murmura dentro em mim.
É que, também, a mística toada murmura dentro de mim, e eu sei, assim vai continuar enquanto me lembrar daquele fim de tarde em que o gesto do meu amigo continua num murmúrio, dentro de mim, a enaltecer como é bela a oração da amizade!
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