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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Um poema de Miguel Torga: MAR MATINAL




MAR MATINAL

Toda a noite o rumor da tua voz
Dorida
Rolou nos meus ouvidos de poeta.
Toda a noite a indiscreta
Luz do meu pensamento
Varou em vão
A negra escuridão
Desse baço e salgado sofrimento.
E, quando amanheceu
E a vida renasceu,
Eras um verso azul a ondular ao vento.

S. Pedro de Moel, 22 de Agosto de 1984
in, "Diário XIV"



O lídimo transmontano de S. Martinho de Anta como dá conta aos seus fiéis leitores - como fui e sou, porque Miguel Torga foi um Poeta invulgar pelo encadeamento cheio de sentido como soube burilar cada palavra dos seus versos -  dormiu naquela noite perto do mar em S. Pedro de Moel, e toda a noite o mar rolou nos seus ouvidos de poeta, mas de um modo que apenas ele o sentiu para o poder cantar.

Com o seu pensamento varado - como se ele fosse um barco em cima do areal da praia - ousou penetrar, mas em vão / a negra escuridão, como ele conta do batido e salgado sofrimento das ondas, como se cada uma delas se assemelhasse ao próprio sofrimento que as ondas da vida provocam no sentir humano...

Bastou, porém o raiar da manhã para que ele visse, como que transfigurado o MAR MATINAL num verso azul a ondular ao vento, o que não deixa de ser uma mensagem de confiança que Miguel Torga nos quis deixar, porquanto da maior das fúrias dos "mares" das nossas noites mais difíceis de viver, há sempre, um modo de ver em cada madrugada que nasce, um modo de ver - de azul pintado - o novo dia que nasce e que pode e deve ser entendido como um novo factor de confiança.

Esta é tónica do poema, o que equivale a dizer que em cada Poeta da estirpe de Miguel Torga, cada palavra é medida nas sílabas métricas de cada verso e, por isso, pretendem atingir cada um na medida que lhe cabe receber, pelo que, quando a madrugada se abre cada dia é um verso azul a ondular ao vento...

Assim tem de ser!

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