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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Palácio da Pena: Um poema na Serra de Sintra!



 Palácio da Pena - Sintra - Portugal
Gravura publicada pela Revista "Occidente"
de 11 de Janeiro de 1886



Relata esta Revista do século XIX, um facto curioso.
Diz assim:

Numa  formosa tarde de fins de Agosto de 1499, via-se no ponto mais elevado da serra de Sintra, denominado a Cruz Alta, um homem de mediana estatura, fidalgamente vestido e que não desprendia os olhos da vastidão do Oceano, que vinha estender as suas vaga por sobre a praia das Maçãs, ou elevá-las pelos rochedos da costa como se lhe não bastasse para as conter a grandeza dos mares.

A fixidez desse homem cada vez era mais firme procurando enxergar na distância alguma coisa que lhe despertava uma curiosidade interesseira.
Esse homem era el-Rei D. Manuel que por muitos dias ali tinha ido àquele mesmo sítio ver se descobria a grande frota que esperava da India, com Vasco da Gama, e com tal empenho ele procurava ser o primeiro a saber a grande nova que, efectivamente, descobrriu naquela tarde, na penumbra da distância, os topes das naus portuguesas que voltavam da aventurosa viagem, em que se tinham descoberto mundos novos pelo esforço e valor do primeiro navegador português, o glorioso Vasco da Gama.

Depois de D. Manuel ter reconhecido os seus navios, desceu da eminência da Cruz Alta e veio render graças a Deus no convento dos frades Jerónimos, por ele fundado no alto da serra em 1503.
Eis a razão porque o Palácio da Pena nos traz à memória este facto histórico da chegada de Vasco da Gama a Lisboa de regresso da sua primeira viagem à Índia.

Vê-se mais por isto que Sintra já então era considerada como um dos mais belos lugares de Portugal e que aqueles penedos sobrepostos uns sobre os outros a envoverem-se nas núvens, tinham a mesma atracção que hoje nos impele a galgarmos aquela eminência, ora para visitarmos o Castelo dos Mouros e nos sentarmos nas suas ameias denegridas e musgosas a contemplar a grandeza do mar ou a vastidão das campinas com os seus povoados, ora para nos extasiarmos no formosos parque da Pena e bebermos a deliciosa água da fonte dos Passarinhos, isto quando não temos a ventura de entramos no Palácio e vermos de perto as belezas que ele encerra.

O primeiro edifício mandado fazer por el- Rei D. Manuel, era apenas de madeira, porque a rigidez do solo não se prestava facilmente a obra mais sólida, mas o rei tanto se agradou do sítio e a sua munificência não se acomodava a obra tão singela, que em 1511 mandou evantar nova fábrica de pedra e cal, e para isso dispenderam-se então grandes somas, principalmente nos aicerces e terraplanagens a que se procederam no topo da serra.
Calcula-se em cerca de 30.000 cruzados o que se gastou, quantia que, para a época se pode considerar fabulosa.

O convento foi dedicado a Nossa Senhora da Pena e daí provém o nome que ficou depois de extinto o convento e secularizado para habitação profana.
Foi este convento meio arruinado e deserto que el-Rei D. Fernando transformou no mais rico Palácio feudal e na habitação mais invejável.


Ficamos assim a saber que toda a beleza deste Palácio que torna Sintra e toda a sua região um marco turístico de Portugal em todo o Mundo, nasceu naquela tarde muito distante que levou até ao cimo da serra de Sintra o rei D. Manuel I, que se enamorou do lugar, tal como veio a acontecer no século XIX com Lord Byron - que não tendo gostado dos portugueses - se sentiu atraido pelas belezas de Sintra, que apelidou de éden e à qual dedicou alguns versos do seu extenso poema "Childe Harold's Pilgrimage" 

"Eis que em vários labirintos de montes e vales
surge o glorioso Eden de Sintra.
Ai de mim! Que pena ou que pincel
logrará jamais dizer a metade sequer
das belezas destas vistas (...)?"

Sintra que tem no Palácio da Pena o ex-libris maior da sua notoriedade não escapou à pena de poetas, como é um exemplo este soneto de Afonso Lopes Vieira:


 "Serra de Sintra, em ti se iam pousando
Os olhos dos mareantes que abalavam,
E só por fim ao longe adivinhavam
A pátria entre neblinas ondeando.

 Pedras sagradas, foi-vos desgastando
O olhar de tantos olhos que choravam;
Fostes o adeus de todos que ficavam,
E a saudade dos outros, navegando.

 Em ti, serra marítima e da Lua
Paira a Saudade como a maresia,
Mágoa de amor tão alta e tão serena.

 E quem depois voltava à pátria sua,
Ao mesmo tempo lá das ondas via
Terra de Portugal e sua pena..."


Na peugada de Lord Byron,  William Beckford, no seu "Diário de Portugal e Espanha" descreve assim o "èden" do seu compatriota:

''Todos os caminhos vão dar a Sintra. O viajante já escolheu o seu. Dará a volta por Azenhas do Mar e Praia das Maçãs, espreitará primeiro as casas que descem a arriba em cascata, depois o areal batido pelas ondas do largo, mas confessa ter olhado tudo isto um pouco desatento, como se sentisse a presença da serra atrás de si e lhe ouvisse perguntar por cima do ombro: “Então, que demora é essa?” Pergunta igual há-de ter feito o outro paraíso quando o Criador andava entretido a juntar barro para lazer Adão. [..]

É ilimitada a perspectiva que se desfruta deste monte em forma de pirâmide: os olhos, baixando, dilatam-se pela imensa extensão das águas do vasto e infinito Atlântico. Uma longa série de nuvens soltas, duma alvura deslumbrante, suspensas a pouca altura do mar, produziam um efeito mágico, e nos tempos do paganismo tomá-las-iam, sem grande esforço de fantasia, pelos carros das divindades marinhas, que acabavam de surgir do seio do seu elemento. [...] A fresca brisa, impregnada do perfume de inúmeras
ervas e flores aromáticas, parecia infundir um novo alento nas minhas veias, e um quase irresistível desejo de me prostrar por terra e adorar neste vasto templo da Natureza a origem e a causada vida. […] Esta manhã, a grande suavidade da luz do sol, e a atmosfera serena e perfumada infundiam no espírito aquela voluptuosa indiferença, aquele desejo de ficar como num paraíso, nessa manhã de delicias, que nas ficções da fábula se supunha fazia esquecer aos que provavam o lótos a pátria, os amigos e todos os laços terrenos. Era isso que eu sentia, e tornara-se-me odiosa a ideia de me arrancar dali. ''


Na Cruz Alta, entalhado numa pedra existe uma placa com um soneto de Francisco Costa, que julgamos ser natural de Sintra
  

"Longe das ondas turvas da maldade,
Sobre este cume, entre rochedos nus,
És bem o extremo apoio que Jesus
Legou, por sua morte, à humanidade.

Vai bem à tua simples majestade
Este lugar que te foi dado, ó cruz,
Pois neste cimo é mais intensa a luz
E é mais intensa e bela a tempestade.

Feriu-te um dia o raio e, certamente,
Mais d’uma alma estranhou, irreverente,
Que o céu visasse o que une o céu à terra.

Mas eu sei bem que tu é que atraíste
A cólera do espaço, e assim cobriste
Com dois pequenos braços, toda a serra."


Há nesta poesia de cariz cristão um agradecimento a Jesus e como o Poeta usa de uma liberdade literária que só a ele é concedida, Francisco Costa apresenta-nos Jesus como tendo atraído a si o raio do Céu para que, na Cruz Alta abarcasse toda a serra, cobrindo com o seu influxo espiritual os verdes das matas e o Palácio da Pena, que sendo por si só, um poema da serra da Sintra, tem inspirado muitas gerações de artistas da pena que em verso ou prosa têm exaltado todo o encanto que nasceu, um dia, numa tarde formosa do mês de Agosto de 1499, como relata a Revista "Occidente" que serviu de embalo para este apontamento histórico, sob todos os aspectos.



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