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domingo, 23 de agosto de 2015

Júlio Dinis: um poeta da palavra!


O autor como é  representado nesta edição do seu celebrado livro

Contra capa e sequência a abrir o Livro "As Pupilas do Senhor Reitor"
 14ª edição nacional - 1909

Na casa da aldeia que me viu nascer, existe esta edição velhinha de "As Pupilas do Senhor Reitor" que tem aposto como sub-título "Crónica da Aldeia" e que, uma vez mais teve o condão de me transportar aos tempos das desfolhadas aldeãs a que assisti na minha juventude.

Júlio Dinis, pseudónimo literário do médico Joaquim Guilherme Gomes Coelho tem o raro encanto de prender o leitor nos dois estádios da vida antagónicos no tempo - juventude e velhice - mas concordes no mesmo prazer que lhes dá a sua leitura, onde a ruralidade de José das Dornas e de Pedro se confronta com Daniel, o médico moderno a opor-se à ciência hipocrática do médico João Semana e à do popular barbeiro - que naquele tempo gozava da fama de médico - com tudo isto a ser feito com modos cavalheirescos que o próprio João Semana aconselhava a Daniel, no sentido de o integrar no povo e nos seus costumes.

Júlio Dinis - que foi poeta no verso metrificado e nos deixou valiosas composições como a "Esmola do Pobre" - foi em tudo quanto escreveu em prosa um poeta nos seus romances, onde tem um lugar privilegiado "As Pupilas do Senhor Reitor" do qual diz o autor que o egresso tinha o Evangelho no coração - o que vale mais ainda do que tê-lo na cabeça, uma frase relida nestas férias e que guardei como nunca o havia feito, porque há conceitos como estes - ditos ou escritos - que valem uma tarde inteira de introspecção e consulta aos manuais que se guardam mentalmente.

Foi o que me aconteceu e, por isso, dei graças a Deus por neste estádio da vida que já declina, vencida por um sol que pouco já aquece, ter lido em Júlio Dinis a realidade observativa que nos faz ver naquele reitor das duas pupilas  - Clara e Margarida - um liberal de convicção, ou seja, alguém que antecipava o novo tempo que a Igreja, paulatinamente, se ia preparando para viver, como veio a acontecer no final do século XIX, com o Papa Leão XIII.

Reler as "Pupilas do Senhor Reitor" se é mergulhar num mundo que se perdeu - no todo ou quase - é emergir de um pântano que a sociedade dita moderna diz, se ter libertado, mas sem cuidar que os valores humanos existenciais ali representados são os autênticos sem retoques ou pinceladas que pintam "cor de rosa" um mundo estranhamente desencarnado da chama espiritual sem a qual a vida frívola até parece feliz,  mas não é verdadeira.

O médico Júlio Dinis, de certo modo, incarna a figura de Daniel, débil como ele, que um dia foi até Ovar - onde começou a arquitectar o enredo deste romance - na esperança dos ares balsâmicos do mar servirem de lenitivo ou cura à doença que o vitimou na flor da idade, pelo que Daniel e tudo quando faz e diz é um retrato do autor, a menos no casamento com a pupila do reitor, Margarida, um passo que Júlio Dinis nunca deu, porque sendo médico sabia que a tuberculose não lho permitia, algo que nos deixa a pensar que até neste passo tão importante da existência foi um grande homem, pelo valor da renúncia de que encheu a vida.

E foi, meditando na frase do velho reitor ter o Evangelho no coração - o que vale ainda mais do que tê-lo na cabeça, nos valores humanos espelhados no romance e no seu próprio exemplo de uma humanidade sofrida, que enchi, mais uma vez, na tarde de um destes dias acalorados de Agosto o meu baú de memórias, enquanto ia pensando nos vários grupos de música gritante que vão arregimentando multidões de jovens por Portugal fora, mas sem lhes darem valores humanos como os do romance de Júlio Dinis e outros semelhantes.


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