DISCURSO DE MÁRIO
SOARES NO COMÍCIO DO PS NA FONTE LUMINOSA
EM 19 DE JULHO DE 1975
O Comício
realizou-se na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, num Sábado, a seguir a
um comício realizado no Porto, no dia anterior. O discurso de Soares começou às
22h15m.
O comício da
Fonte Luminosa, organizado por António Guterres, teve como oradores Mário
Pires, da Comissão de Trabalho do PS, Lopes Cardoso, presidente do grupo
parlamentar do PS na Assembleia Constituinte, Luís Filipe Madeira, deputado e
antigo governador civil de Faro, Alfredo Carvalho, deputado e operário da
Lisnave, Marcelo Curto, também deputado, Salgado Zenha, ministro da Justiça
demissionário, e a terminar Mário Sares. O discurso foi um dos momentos mais
determinantes do Verão Quente de 1975, e
serviu para marcar a posição do PS em relação ao «Documento-Guia» da Aliança Povo-MFA,
que tinha sido aprovado em 8 de Julho, e que levara os ministros socialistas a
saírem do 4.º Governo Provisório, provocando a sua queda. Entretanto, a guerra
civil angolana provocava o êxodo massivo da população branca, a continuação da
política de nacionalizações, começada a seguir ao 11 de Março, continuava a
desorganizar a economia, enquanto que a abertura da Assembleia Constituinte, no
seguimento das eleições de 25 de Abril, criava uma instituição que era a única
na época com legitimidade democrática.
Nota: Este texto
é uma compilação das transcrições dos jornais referidos como fontes.
AQUILO QUE A
CÚPULA DEMANTADA DO PCP E OS IRRESPONSÁVEIS
DA INTERSINDICAL
QUERIAM NÃO FOI POSSÍVEL
«O dia de hoje
foi um dia grave na história do nosso povo. Depois de uma campanha alarmista de
boatos sem precedentes, de uma ‘intentona’ artificial, de uma falsa conjura com
intenção de enganar o povo; depois disso, organizaram-se barreiras para impedir
que o povo dos arredores de Lisboa, deputações do povo de Portugal viesse aqui
manifestar-se livremente, em favor da liberdade, da democracia, do socialismo.
Os responsáveis pela ‘intentona’ monstruosa têm de responder perante o povo
português. Não pode impunemente provocar-se e mentir-se ao povo português.
Dividir as massas trabalhadoras com uma campanha de falsos boatos, pôr em
perigo a nossa revolução. Onde esteve no dia de hoje, aqui nesta praça, a
contra-revolução? A verdade é que a contra-revolução estava nas barragens
organizadas pelos energúmenos, agitadores e arruaceiros para impedir que o povo
de Portugal se manifestasse e dissesse qual era a sua vontade.
É uma cúpula de
paranóicos, a direcção do PCP. É uma cúpula de irresponsáveis a dos dirigentes
da Intersindical, que não representam o povo português. E as Forças Armadas,
dando cobertura a esses irresponsáveis, indo acreditar que havia uma marcha
sobre Lisboa, que nunca existiu – que só existiu na cabeça desses paranóicos –
constituíram também graves responsabilidades.
Eu explico ao MFA
porque é que o comportamento deles, aqui em Lisboa, foi responsável e mal
feito, aos nossos olhos.
No Porto, os
energúmenos da Direcção da Organização Regional do Norte do PCP também deram
ordens para paralisar a cidade do Porto, para que o comércio fechasse, os
transportes não funcionassem, para cortar árvores e as lançar nas estradas a
fim de impedir os acessos ao Porto. Mas como aí eles não foram protegidos por
tropa, essas barragens não resistiram, e ninguém seguiu as palavras de ordem
deles.
Ontem, no Porto,
31 direcções de sindicatos deram ordem para parar a vida da cidade, mas nada
parou, ninguém obedeceu. Aqui em Lisboa, se as barragens não estivessem
protegidas por militares, estaria agora aqui seguramente mais de meio milhão de
portugueses, para se armar, ao nosso lado, em favor da liberdade, do
socialismo, da revolução e da democracia. Nós temos o direito de saber o que
descobriram nestas barragens. Será que tenham descoberto armas
contra-revolucionárias ou spinolistas? Não, eles queriam impedir de vir aqui o
povo português, que está com a revolução e o socialismo.»
A verdade é que a
vossa presença aqui, o vosso entusiasmo ao longo deste comício, o vosso
espírito de militância, a vossa confiança num partido de esquerda, no Partido
Socialista, que é o nosso Partido, pois a vossa presença foi a prova de que nós
vencemos e que aquilo que a cúpula dementada do PCP e os irresponsáveis da
Intersindical queriam não foi possível. Eles queriam amordaçar a voz do Povo
que será ouvida pelas ruas do nosso país. A vossa presença torna evidente um
facto extraordinário que vai ter profundas consequências na vida política
portuguesa. Em primeiro lugar ela torna patente que não é possível continuar
com essa técnica de chamar reaccionários e fascistas a tudo o que não é
comunista do PCP ou apaniguado, ou do filhote MDP.
Esta demonstração
formidável (e mais formidável ainda pelos obstáculos que se levantaram) prova
que nada pode vencer a determinação popular de estar connosco.
Tanto mais que
não dispomos da Televisão, nem de rádio, nem dos jornais de Lisboa. Desse
Século e desse Diário de Notícias que são o Pravda e o Izvestia portugueses.
Mas exactamente porque foi levantada uma operação de propaganda sem
precedentes, uma campanha de boatos para intimidar a população, dizendo que
haveria desordens, que rebentariam bombas, que estaria aqui a contra-revolução,
e outras patranhas do mesmo género: apesar de toda essa campanha, nós pudemos
estar aqui sem dispor dos meios de comunicação social».
Pouco depois
afirmaria «Dizemos que a reacção não passará, mas digamos também que a
social-reacção não passará. Temos dito, e prova-se na prática da nossa acção
política quotidiana, que nós não somos anticomunistas. Quem está a provocar o
anticomunismo, como nem Caetano nem Salazar foram capazes de provocar é a
cúpula reaccionária do PCP».
A seguir informou
que «os soldados que estavam a formar as barricadas na Portela de Sacavém,
compreendendo a figura ridícula que faziam às ordens de um partido minoritário,
reuniram-se em plenário e resolveram acabar com as barricadas. Esses soldados
acabam de dar com esse acto de civismo uma grande lição de civismo a certos
oficiais que saltaram rapidamente de capitães a generais».
A situação
portuguesa é de tal maneira grave, o ambiente requer um Governo de salvação
nacional e de unidade das forças políticas, que nós dizemos daqui ao Presidente
da República e ao Conselho da Revolução que o primeiro-ministro designado para
constituir o 5.º Governo Provisório não nos parece ser neste momento um factor
de coesão e de unidade nacional. Portanto dizemos-lhes, com a autoridade de
sermos um partido maioritário na representação do povo português, que será
melhor eles escolherem uma outra individualidade que dê mais garantias de
apartidarismo real, para que possa formar um governo de coligação nacional.
Camaradas, o
Partido Socialista não reivindica o poder, neste momento. Não é disso que se
trata. A hora é extraordinariamente grave, e o Partido Socialista deseja que o
Governo Provisório seja presidido por uma personalidade do MFA. Infelizmente
deseja que ela seja, com provas dadas, efectivamente apartidária, acima dos
partidos e independente. O PS não rejeita as suas responsabilidades perante os
dois milhões e meio de portugueses que nele votaram.
O Partido
Socialista está junto do povo para assegurar o prosseguimento de uma política
de esquerda, uma política progressista que conduza à construção de uma
verdadeira sociedade socialista e não de um capitalismo de Estado servido por
um exército de burocratas e polícias, que denotam um imenso apetite de poder e
de dinheiro.
Nós pensamos que
se produziu neste País, graças à política aventureirista do PCP, um fenómeno
como se dá nos corpos quando se enxerta neles um corpo estranho. Esse fenómeno
de rejeição é perigoso, e nós convidamos sinceramente as bases do Partido
Comunista, os nossos camaradas comunistas das bases, que não podem certamente
estar de acordo com as perseguições que a cúpula está a implantar como se
quisesse transformar a nossa Pátria, o nosso belo País, num imenso campo de
concentração.
O MFA que faça
pois atenção, porque a hora é de autocrítica, é de emendar os erros passados. E
esse MFA que iniciou esta revolução que foi chamada justamente a mais bela da
Europa, uma revolução das flores, esse MFA se escutar a voz do Povo, tem todas
as condições para, aliado ao Povo, poder salvar ainda a nossa revolução que
está em perigo, porque há aqui e ali manchas de contra-revolucionários que
querem polarizar à sua volta o descontentamento provocado pelo sectarismo e
pelo fanatismo intolerável dos sociais-reaccionários que são a direcção do
PCP».
Continuando,
demoveu a multidão de se dirigir ao Palácio de Belém para reivindicar a
permanência do PS no governo dizendo que tal «seria pedir a todos um sacrifício
inútil.
Uma marcha desta
natureza poderia dar lugar a encontros e afrontamentos. Nós sabemos que não
temos medo mas que como partido responsável fazemos tudo para evitar. Os
arruaceiros são eles e não o PS. Proponho-vos camaradas outra coisa porventura
mais útil e quando todos reclamam acção eu posso prometer-vos que a partir de
hoje o PS está mobilizado para a acção e agitará para impor a sua voz e a sua
determinação de construir um socialismo em liberdade. Proponho-vos, pois,
camaradas, que os nossos militantes vão para as nossas sedes e para as nossas
secções e estejam lá tranquilamente a defender as nossas casas, as nossas
sedes, que são as casas e as sedes do Povo Português.
Há boatos de que
há grupos minoritários que querem atacar esta noite as sedes do nosso partido.
Estamos convencidos de que se trata apenas de boatos mas como ensina um velho
ditado da sabedoria popular, e tendo em vista o que se passou hoje nas entradas
de Lisboa e por esse País fora, o seguro morreu de velho. Eu creio que tal não
será necessário mas, a partir de hoje, o Partido Socialista estará mobilizado.
Cada um de nós no seu local de trabalho, nas empresas, nos campos, nos
ministérios, saberá fazer chamar ao Povo a voz do Partido Socialista lutar
contra as calúnias, organizarmo-nos, dar luta contra a reacção, em favor da
liberdade. Nós seremos invencíveis e as minorias convencer-se-ão com a prova
dos números e com a prova dos factos.
Este foi um dia
de vitória. Tenhamos confiança no futuro, tenhamos confiança no nosso Povo. A
revolução está em marcha e não pára.
Venceremos!»
Fontes:
Diário de
Notícias, Ano 111.º, n.º 38221, 21 de Julho de 1975, pág. 8;
O Século, Ano
95.º, n.º 33.429, 21 de Julho de 1975, pág. 4;
Diário de Lisboa,
Ano 55.º, n.º 18.820, 21 de Julho de 1975, pág. 20;
Diário Popular,
Ano 33.º, n.º 11.697, 21 de Julho de 1975, pág. 8;
Capital, Ano 8.º
(2.ª Série), n.º 2.590, 21 de Julho de 1975, págs. 6 e 7;
Jornal Novo, Ano
I, n.º 79, 21 de Julho de 1975, pág. 8.
.................................................................................................................
in, Portal da História
Sem comentários:
Enviar um comentário