Faz, hoje, 73 anos que nos deixou o Poeta Afonso Lopes Vieira, esse ilustre leiriense cuja acção sócio-política se centrou no Renascentismo que fez escola entre os séculos XIV a XVII.
O Poeta com um pé assente nesse Movimento cultural, económico e político inspirado na Antiguidade Clássica, viu no Humanismo o seu principal valor centrado na única Verdade irrefutável, aquela que Jesus trouxe ao Mundo, e teve o outro pé assente na Pátria que o viu nascer e na qual viu uma realidade natural que esteve presente em muitas das suas obras poéticas, como se pode perceber neste poema:
O Segredo do Mar
A “Flor do Mar” avançando
Navegava, navegava,
Lá para onde se via
O vulto que ela buscava.
Era tão grande, tão grande
Que a vista toda tapava.
E Bartolomeu erguido
Aos marinheiros bradava
Que ninguém tivesse medo
Do gigante que ali estava.
E mais perto agora estão
Do que procurando vão!
Bartolomeu que viu?
Que descobriu o valente?
- Que o gigante era um penedo
que tinha forma de gente?
Que era dantes o mar? Um quarto
escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi
abrir.
in 'Antologia
Poética'
Ou, ainda, neste outro extenso e belo poema:
Saudades Trágico-Marítimas
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e
chora alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos
naufrágios;
choram de longe em mim, e eu
oiço-os bem,
choram ao longe em mim sinas,
presságios,
de além, de além...
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
Naufraguei cem vezes já...
Uma, foi na nau S. Bento,
e vi morrer, no trágico
tormento,
Dona Leonor de Sá:
vi-a nua, na praia áspera e
feia,
com os olhos implorando
- olhos de esposa e mãe -
e vi-a, seus cabelos desatando,
cavar a sua cova e enterrar-se
na areia.
- E sozinho me fui pela praia
além...
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
Escuto em mim, - oiço a grita
da rude gente aflita:
- Senhor Deus, misericórdia!
- Virgem Mãe, misericórdia!
Doidos de fome e de terror
varados,
gritamos nossos pecados,
e sai de cada boca rouca e louca
a confissão!
- Senhor Deus, misericórdia!
- Misericórdia, Virgem Mãe!
e o vento geme
no vulcão
sem astros;
anoitecemos sem leme,
amanhecemos sem mastros!
E o mar e o céu, sem fim,
além...
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
Ah! Deus por certo conhece
minha voz que se ergue, branca e
sozinha,
- flor de angústia a subir aos
céus varados
p'la dor da ladainha!
Transido, o clamor da prece
do mesmo sangue nos veio
Deus conhece os meus olhos
alongados;
onde o mar e o céu deixaram
um pouco de vago anseio
nesse mistério longo do seu
halo...
Rezam em mim os outros que
rezaram,
e choraram também;
há um pranto português, e eu sei
chorá-lo
com lágrimas de além...
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
Ó meu amor, repara
nos meus olhos, na sua mágoa
clara!
Ainda é de além
o meu olhar de amor
e o meu beijo também.
Se sou triste, é de outrora a
minha pena,
de longe a minha dor
e a minha ansiedade.
Vês como te amo, vês?
Meu sangue é português,
minha pele é morena,
minha graça a Saudade,
meus olhos longos de escutar sem
fim
o além, em mim...
Chora no ritmo do meu sangue, o
Mar.
in 'Ilhas
de Bruma'
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Sintetizando, temos que em Afonso Lopes Vieira a ideia renascentista foi um modo como ele viu e sentiu naquele Movimento uma missão orientadora que desejou não ver morrer por ver nela linhas sociais e políticas que deveriam ser guias para o seu tempo e na Pátria, viu e sentiu uma Entidade fundamental, de cariz natural e linguística, donde lhe é atribuído o seu carácter activo e multifacetado que grandemente lhe influenciaram a existência, dando-lhe inspirações, quer fossem para a sua pena literária, quer para as muitas conferências a que se sentiu chamado e que ilustrou em nome de valores artísticos e culturais de índole nacional.
Recolheu tudo isto no volume: "Em Demanda do Graal" - 1922 - e de novo com o título: "Nova Demanda do GraaL" - 1942 - apontando-se-lhe, o facto de se ter desmarcado do Estado Novo a partir do seu despontar com o livro "Éclogas de Agora", mantendo-se fiel ao "Integralismo Lusitano".
Este Movimento ou Agrupamento sócio-político influente entre 1914 a 1932, é pena que não ressurja com a renovação dos seus ideais para o tempo presente, porquanto a República, tal qual a conhecemos devia ser refundada, por ter um peso demasiado no erário público para desempenhar as funções que lhe cabem, assim como a centralização do Estado num Parlamento donde tudo dimana, deveria ser mais descentralizado em favor do municipalismo, como já o havia advogou, no seu tempo, Alexandre Herculano