"ESTÃO PODRES AS PALAVRAS"...
Estão podres as palavras – de passarem
por sórdidas mentiras de
canalhas
que as usam ao revés como o
carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que
vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras – como serão
puras,
se caem no silêncio em que os
mais puros
não sabem já onde a limpeza
acaba
e a corrupção começa? Como serão
puras
se logo a infâmia as cobre de
seu cuspo?
Estão podres: e com elas
apodrece o mundo
e se dissolve em lama a criação
do homem
que só persiste em todos
livremente
onde as palavras fiquem como
torres
erguidas sexo de homem entre o
céu e a terra.
Jorge de Sena
30 de Dezembro de 1972
in, “Textos da Língua Portuguesa” da Didáctica Editora
"Estão podres as palavras"...
Tristemente, Jorge de Sena, engenheiro civil de formação académica, não tardou em dar-se conta da banalidade e pequenez do quotidiano que se vivia no Portugal de Salazar a que se juntavam a intriga do meio literário, a opressão política, a censura que redundava num mau ambiente de trabalho que frustrava os mais afoitos, circunstâncias que a sua obra retrata e lhe tornou difícil a vida de cidadão e escritor a que acresceu o facto de não se ter tornado sócio de qualquer tertúlia académica, sofrendo com isso a falta de apoio que se tornou definitiva com a sua participação numa tentativa revolucionária em 12 de Março de 1959.
Exilou-se no Brasil, mas bem cedo concluiu, pelas saudades de Portugal não ter encontrado um exílio libertador ali ou na estadia que teve nos Estados Unidos, o que constituiu um estado de alma que o atormentou até a final da vida cujo fim ocorreu em 4 de Julho de 1978, tendo a justiça que lhe era devida do Portugal que ele tanto amou apenas se ter feito sentir no ano de 2009 com a trasladação dos seus restos mortais para o Cemitério dos Prazeres.
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"Estão podres as palavras"...
Tristemente, se Jorge de Sena sentiu que no tempo da ditadura do Estado Novo estavam podres as palavras, muitas das palavras de hoje assim parecem continuar, apesar de vivermos uma Democracia, mas em que há palavras que continuam a cair no silêncio em que os mais puros não sabem já onde a limpeza acaba...
Eis, porque, o Poeta - como foi Jorge de Sena - é um artista intemporal cujas palavras devem merecer dos homens toda a atenção, não deixando de ser irónico o facto de andarmos, ainda, a procurar o modo de dar às palavras a pureza que elas deviam ter.
Quando acontecerá que deixaremos de dizer: "Estão podres as palavras"... e estas fiquem como torres erguidas - como o quis Jorge de Sena - a mostrar aos homens a verticalidade que vinda do céu assim devia continuar na terra ... no mundo dos homens?
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