Túmulo de Inês de Castro no Mosteiro da Batalha
in, Revista "O Occidente" de 21 de Agosto de 1893
O drama humano que veio a sofrer em terras lusitanas D. Inês de Castro, filha do mordomo-mor do rei Afonso XI de Castela, D. Pedro Fernandes de Castro e da portuguesa Aldonça Lourenço de Valadares, é o resultado do Infante D. Pedro I de Portugal se ter apaixonado por esta galega, aia de sua mulher D. Constança Manuel, com quem casara na Sé de Lisboa em 1339.
Mal visto este amor na corte por temer a influência de Castela sobre o Infante, tendo à frente o parecer afirmativo do pai, D. Afonso IV, que a desterrou para o castelo raiano de Albuquerque, sem contudo ter esmorecido o amor do Infante por D. Inês, tendo-se tudo precipitado com a morte prematura de D. Constança Manuel. Viúvo, contra a vontade do pai D. Pedro impôs o seu amor, levando D. Afonso IV - contra vontade - a chamar do exílio a linda galega, o que originou um grande mal estar na corte.
Ainda tentou D. Afonso IV casar o infante com uma dama de sangue real, o que D Pedro recusou e como ia tendo filhos de D. Inês, a corte teve de se vergar, sem deixar de malsinar contra ela, a ponto de ter levado o Rei a consentir no seu assassinato.
Esta é, em breves palavras o resumo do grande drama de amor que Camões, o Príncipe dos Poetas portugueses veio a imortalizar do seguinte modo no seu livro imortal "Os Lusíadas". (estrofes 120 a 135 do Canto III)
        "Estavas, linda Inês, posta em
sossego,  
        De teus anos colhendo doce fruto,  
        Naquele engano da alma, ledo e
cego,  
        Que a fortuna não deixa durar
muito,  
        Nos saudosos campos do Mondego,  
        De teus formosos olhos nunca
enxuto,  
        Aos montes ensinando e às ervinhas  
        O nome que no peito escrito
tinhas.  
        "Do teu Príncipe ali te
respondiam  
        As lembranças que na alma lhe
moravam,  
        Que sempre ante seus olhos te
traziam,  
        Quando dos teus formosos se
apartavam:  
        De noite em doces sonhos, que
mentiam,  
        De dia em pensamentos, que voavam.  
        E quanto enfim cuidava, e quanto
via,  
        Eram tudo memórias de alegria.  
        "De outras belas senhoras e
Princesas  
        Os desejados tálamos enjeita,  
        Que tudo enfim, tu, puro amor,
despreza,  
        Quando um gesto suave te sujeita.  
        Vendo estas namoradas estranhezas  
        O velho pai sisudo, que respeita  
        O murmurar do povo, e a fantasia  
        Do filho, que casar-se não queria, 
        "Tirar Inês ao mundo
determina,  
        Por lhe tirar o filho que tem
preso,  
        Crendo co'o sangue só da morte
indina  
        Matar do firme amor o fogo aceso.  
        Que furor consentiu que a espada
fina,  
 
      Que pôde sustentar o grande
peso  
        Do furor Mauro, fosse alevantada  
        Contra uma fraca dama delicada?  
        "Traziam-na os horríficos
algozes  
        Ante o Rei, já movido a piedade:  
        Mas o povo, com falsas e ferozes  
        Razões, à morte crua o persuade.  
        Ela com tristes o piedosas vozes,  
        Saídas só da mágoa, e saudade  
        Do seu Príncipe, e filhos que
deixava,  
        Que mais que a própria morte a
magoava,  
        "Para o Céu cristalino
alevantando  
        Com lágrimas os olhos piedosos,  
        Os olhos, porque as mãos lhe estava
atando  
        Um dos duros ministros rigorosos;  
        E depois nos meninos atentando,  
        Que tão queridos tinha, e tão
mimosos,  
        Cuja orfandade como mãe temia,  
        Para o avô cruel assim dizia:  
        — "Se já nas brutas feras, cuja
mente  
        Natura fez cruel de nascimento,  
        E nas aves agrestes, que somente  
        Nas rapinas aéreas têm o intento,  
        Com pequenas crianças viu a gente  
        Terem tão piedoso sentimento,  
        Como coa mãe de Nino já mostraram,  
        E colos irmãos que Roma
edificaram;  
        —"Ó tu, que tens de humano o gesto
e o peito   
        (Se de humano é matar uma donzela   
        Fraca e sem força, só por ter
sujeito   
        O coração a quem soube vencê-la)   
        A estas criancinhas tem respeito,   
        Pois o não tens à morte escura
dela;   
        Mova-te a piedade sua e minha,  
        Pois te não move a culpa que não
tinha.  
        — "E se, vencendo a Maura
resistência,  
        A morte sabes dar com fogo e
ferro,  
        Sabe também dar vicia com
clemência  
        A quem para perdê-la não fez erro.  
        Mas se to assim merece esta
inocência,  
        Põe-me em perpétuo e mísero
desterro,  
        Na Cítia f ria, ou lá na Líbia
ardente,  
        Onde em lágrimas viva eternamente.  
        "Põe-me onde se use toda a
feridade,  
        Entre leões e tigres, e verei  
        Se neles achar posso a piedade  
        Que entre peitos humanos não
achei:  
        Ali com o amor intrínseco e
vontade  
        Naquele por quem morro, criarei  
        Estas relíquias suas que aqui
viste,  
        Que refrigério sejam da mãe
triste." —  
        Movido das palavras que o magoam;  
        Mas o pertinaz povo, e seu destino  
        (Que desta sorte o quis) lhe não
perdoam.  
        Arrancam das espadas de aço fino  
        Os que por bom tal feito ali
apregoam.  
        Contra uma dama, ó peitos
carniceiros,  
        Feros vos amostrais, e cavaleiros?  
        "Qual contra a linda moça
Policena,  
        Consolação extrema da mãe velha,  
        Porque a sombra de Aquiles a
condena,  
        Co'o ferro o duro Pirro se
aparelha;  
        Mas ela os olhos com que o ar
serena  
        (Bem como paciente e mansa ovelha)  
        Na mísera mãe postos, que
endoudece,  
        Ao duro sacrifício se oferece:  
        "Tais contra Inês os brutos
matadores  
        No colo de alabastro, que sustinha  
        As obras com que Amor matou de
amores  
        Aquele que depois a fez Rainha;  
        As espadas banhando, e as brancas
flores,  
        Que ela dos olhos seus regadas
tinha,  
        Se encarniçavam, férvidos e
irosos,  
        No futuro castigo não cuidosos. 
        "Bem puderas, ó Sol, da vista
destes  
        Teus raios apartar aquele dia,  
        Como da seva mesa de Tiestes,  
        Quando os filhos por mão de Atreu
comia.  
        Vós, ó côncavos vales, que
pudestes  
        A voz extrema ouvir da boca fria,  
        O nome do seu Pedro, que lhe
ouvistes,  
        Por muito grande espaço
repetisses!  
        "Assim como a bonina, que
cortada  
        Antes do tempo foi, cândida e
bela,  
        Sendo das mãos lascivas maltratada  
        Da menina que a trouxe na capela,  
        O cheiro traz perdido e a cor
murchada:  
        Tal está morta a pálida donzela,  
        Secas do rosto as rosas, e perdida  
        A branca e viva cor, coa doce
vida.  
        "As filhas do Mondego a morte
escura  
        Longo tempo chorando memoraram,  
        E, por memória eterna, em fonte
pura  
        As lágrimas choradas
transformaram;  
        O nome lhe puseram, que inda dura,  
 
      Dos amores de Inês que ali
passaram.  
        Vede que fresca fonte rega as
flores,  
        Que lágrimas são a água, e o nome
amores.  
Que quem passar por Alcobaça nunca se esqueça, de ante o belo túmulo de Inês de Castro lembrar o amor que a uniu a D Pedro, que ao lado continua num amor tumular unido àquela mulher que o ódio político matou. e se se lembrar, erga uma oração de lembrança por ela, e por todas as mulheres - e homens - que o ódio tem matado ao longo dos séculos, numa prova evidente que dentro de cada homem pode haver uma fera adormecida.


Sem comentários:
Enviar um comentário