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domingo, 8 de outubro de 2017

Uma lembrança de Inês de Castro: uma galega que ficou na História de Portugal

Túmulo de Inês de Castro no Mosteiro da Batalha
in, Revista "O Occidente" de 21 de Agosto de 1893


O drama humano que veio a sofrer em terras lusitanas D. Inês de Castro, filha do mordomo-mor do rei Afonso XI de Castela, D. Pedro Fernandes de Castro e da portuguesa Aldonça Lourenço de Valadares, é o resultado do Infante D. Pedro I de Portugal se ter apaixonado por esta galega, aia de sua mulher D. Constança Manuel, com quem casara na Sé de Lisboa em 1339.

Mal visto este amor na corte por temer a influência de Castela sobre o Infante, tendo à frente o parecer afirmativo do pai, D. Afonso IV, que a desterrou para o castelo raiano de Albuquerque, sem contudo ter esmorecido o amor do Infante por D. Inês, tendo-se tudo precipitado com a morte prematura de D. Constança Manuel. Viúvo, contra a vontade do pai D. Pedro impôs o seu amor, levando D. Afonso IV - contra vontade - a chamar do exílio a linda galega, o que originou um grande mal estar na corte.

Ainda tentou D. Afonso IV casar o infante com uma dama de sangue real, o que D Pedro recusou e como ia tendo filhos de D. Inês, a corte teve de se vergar, sem deixar de malsinar contra ela, a ponto de ter levado o Rei a consentir no seu assassinato.

Esta é, em breves palavras o resumo do grande drama de amor que Camões, o Príncipe dos Poetas portugueses veio a imortalizar do seguinte modo no seu livro imortal "Os Lusíadas". (estrofes 120 a 135 do Canto III)

 
        "Estavas, linda Inês, posta em sossego, 
        De teus anos colhendo doce fruto, 
        Naquele engano da alma, ledo e cego, 
        Que a fortuna não deixa durar muito, 
        Nos saudosos campos do Mondego, 
        De teus formosos olhos nunca enxuto, 
        Aos montes ensinando e às ervinhas 
        O nome que no peito escrito tinhas. 
 
        "Do teu Príncipe ali te respondiam 
        As lembranças que na alma lhe moravam, 
        Que sempre ante seus olhos te traziam, 
        Quando dos teus formosos se apartavam: 
        De noite em doces sonhos, que mentiam, 
        De dia em pensamentos, que voavam. 
        E quanto enfim cuidava, e quanto via, 
        Eram tudo memórias de alegria. 
 
        "De outras belas senhoras e Princesas 
        Os desejados tálamos enjeita, 
        Que tudo enfim, tu, puro amor, despreza, 
        Quando um gesto suave te sujeita. 
        Vendo estas namoradas estranhezas 
        O velho pai sisudo, que respeita 
        O murmurar do povo, e a fantasia 
        Do filho, que casar-se não queria, 

        "Tirar Inês ao mundo determina, 
        Por lhe tirar o filho que tem preso, 
        Crendo co'o sangue só da morte indina 
        Matar do firme amor o fogo aceso. 
        Que furor consentiu que a espada fina, 
        Que pôde sustentar o grande peso 
        Do furor Mauro, fosse alevantada 
        Contra uma fraca dama delicada? 
 
        "Traziam-na os horríficos algozes 
        Ante o Rei, já movido a piedade: 
        Mas o povo, com falsas e ferozes 
        Razões, à morte crua o persuade. 
        Ela com tristes o piedosas vozes, 
        Saídas só da mágoa, e saudade 
        Do seu Príncipe, e filhos que deixava, 
        Que mais que a própria morte a magoava, 
 
        "Para o Céu cristalino alevantando 
        Com lágrimas os olhos piedosos, 
        Os olhos, porque as mãos lhe estava atando 
        Um dos duros ministros rigorosos; 
        E depois nos meninos atentando, 
        Que tão queridos tinha, e tão mimosos, 
        Cuja orfandade como mãe temia, 
        Para o avô cruel assim dizia: 

        — "Se já nas brutas feras, cuja mente 
        Natura fez cruel de nascimento, 
        E nas aves agrestes, que somente 
        Nas rapinas aéreas têm o intento, 
        Com pequenas crianças viu a gente 
        Terem tão piedoso sentimento, 
        Como coa mãe de Nino já mostraram, 
        E colos irmãos que Roma edificaram; 
 
        —"Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito  
        (Se de humano é matar uma donzela  
        Fraca e sem força, só por ter sujeito  
        O coração a quem soube vencê-la)  
        A estas criancinhas tem respeito,  
        Pois o não tens à morte escura dela;  
        Mova-te a piedade sua e minha, 
        Pois te não move a culpa que não tinha. 

        — "E se, vencendo a Maura resistência, 
        A morte sabes dar com fogo e ferro, 
        Sabe também dar vicia com clemência 
        A quem para perdê-la não fez erro. 
        Mas se to assim merece esta inocência, 
        Põe-me em perpétuo e mísero desterro, 
        Na Cítia f ria, ou lá na Líbia ardente, 
        Onde em lágrimas viva eternamente. 
 
        "Põe-me onde se use toda a feridade, 
        Entre leões e tigres, e verei 
        Se neles achar posso a piedade 
        Que entre peitos humanos não achei: 
        Ali com o amor intrínseco e vontade 
        Naquele por quem morro, criarei 
        Estas relíquias suas que aqui viste, 
        Que refrigério sejam da mãe triste." — 

        Movido das palavras que o magoam; 
        Mas o pertinaz povo, e seu destino 
        (Que desta sorte o quis) lhe não perdoam. 
        Arrancam das espadas de aço fino 
        Os que por bom tal feito ali apregoam. 
        Contra uma dama, ó peitos carniceiros, 
        Feros vos amostrais, e cavaleiros? 

        "Qual contra a linda moça Policena, 
        Consolação extrema da mãe velha, 
        Porque a sombra de Aquiles a condena, 
        Co'o ferro o duro Pirro se aparelha; 
        Mas ela os olhos com que o ar serena 
        (Bem como paciente e mansa ovelha) 
        Na mísera mãe postos, que endoudece, 
        Ao duro sacrifício se oferece: 

        "Tais contra Inês os brutos matadores 
        No colo de alabastro, que sustinha 
        As obras com que Amor matou de amores 
        Aquele que depois a fez Rainha; 
        As espadas banhando, e as brancas flores, 
        Que ela dos olhos seus regadas tinha, 
        Se encarniçavam, férvidos e irosos, 
        No futuro castigo não cuidosos. 

        "Bem puderas, ó Sol, da vista destes 
        Teus raios apartar aquele dia, 
        Como da seva mesa de Tiestes, 
        Quando os filhos por mão de Atreu comia. 
        Vós, ó côncavos vales, que pudestes 
        A voz extrema ouvir da boca fria, 
        O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes, 
        Por muito grande espaço repetisses! 

        "Assim como a bonina, que cortada 
        Antes do tempo foi, cândida e bela, 
        Sendo das mãos lascivas maltratada 
        Da menina que a trouxe na capela, 
        O cheiro traz perdido e a cor murchada: 
        Tal está morta a pálida donzela, 
        Secas do rosto as rosas, e perdida 
        A branca e viva cor, coa doce vida. 
 
        "As filhas do Mondego a morte escura 
        Longo tempo chorando memoraram, 
        E, por memória eterna, em fonte pura 
        As lágrimas choradas transformaram; 
        O nome lhe puseram, que inda dura, 
        Dos amores de Inês que ali passaram. 
        Vede que fresca fonte rega as flores, 
        Que lágrimas são a água, e o nome amores.  


Que quem passar por Alcobaça nunca se esqueça, de ante o belo túmulo de Inês de Castro lembrar o amor que a uniu a D Pedro, que ao lado continua num amor tumular unido àquela mulher que o ódio político matou. e se se lembrar, erga uma oração de lembrança por ela, e por todas as mulheres - e homens - que o ódio tem matado ao longo dos séculos, numa prova evidente que dentro de cada homem pode haver uma fera adormecida.

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