Pesquisar neste blogue

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

"Poema do Silêncio" de José Régio


Poema do Silêncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épitrági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.

                                                    in, " As Encruzilhadas de Deus"

.............................................................................................................

Neste "Poema do Silêncio" do celebrado Poeta de Vila do Conde - onde nasceu e se finou - mas que fez de Portalegre a sua cidade adoptiva, encontro, apesar da sua descrença manifestada em Deus, não sei por que inexplicável razão, sinto a Sua existência real em cada verso e um desejo de crença nesse Ser imaterial que foge à parte mais cognitiva do humano para se mostrar, de vez em quando nos momentos em que é procurado pelo lado divino que Ele imprimiu como um selo em cada um de nós.

Penso, aliás, que há neste "Poema do Silêncio" um desejo inconfessado de José Régio do seu belo, profundo e, sobretudo, sincero desejo de não querer meter no silêncio do Mundo a ideia de um Deus fora da realidade dos homens, por ter sentido que aquilo que ele fez contra a ideia de Deus - terem sido coisas não necessárias, e vós vedes, como ele diz  a ponto de ter constatado isto e ter dito:

       Foi em meu nome que fiz
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

E é, por isso, que eu me interrogo porque motivo José Régio podendo, em vez de gravar coisas sobre Deus "A carvão, a sangue , a giz" - materiais fáceis de serem apagados tendo podido escrever com outros mais difíceis de extinguir, escreveu isto:

                                             Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Oh! Poeta!
Como eu entendo o teu "Poema do Silêncio!
Como eu creio que ele é, um grito de alma para teres dado a cada homem do teu tempo e aos vindouros um modo de ir até Ele nas asas do sonho de O alcançar e viver com Ele na sua imaterialidade "palpável", pois só desse modo é que eu entendo esta estrofe:

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Pois é, Poeta!
O que falta ao homem é entender que dentro da sua carapaça humana vive latente, escondido, mas vivo o divino que  habita, ou seja o Deus que vive dentro dele, de tal modo, que ao invés do que José Régio desejou ao fechar o Poema, desejando que sobre a sua campa houvesse uma terra sem for  uma pedra sem nome, Deus pregou-lhe uma partida e para lhe saciar a fome que ele sentia de Deus, fez que houvessem flores que o lembrassem e que o seu nome de grande Poeta ficasse escrito em pedra, como memória da sua passagem por este Mundo.

E assim, o "Poema do Silêncio" vai continuar a gritar bem ato o nome do Deus Eterno que ele guardou nas muitas imagens e iconografias que ele mesmo comprou e enchem a casa em que ele viveu na cidade alentejana de Portalegre.

Sem comentários:

Enviar um comentário