Poema do Silêncio
Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e
vós vedes.
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito
que pedi,
- Que ergui mais alto o meu
grito
E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e
grandezas,
Eis a razão das épitrági-cómicas
empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho,
fumo...
O que buscava
Era, como qualquer, ter o que
desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura
e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de
egoísmo.
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e
condenado,
Erigi contra os céus o meu
imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que
sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não
creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo
fim.
Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés
se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me
acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não
creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado
à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar
calado,
Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que
sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito
vale,
Que eu me não mova! que eu não
fale!
Ah! também sei que, trabalhando
só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei
que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é
maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...
Senhor! que nunca mais meus
versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios
cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso,
atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...
Sim, descerá da tua mão
compadecida,
Meu Deus em que não creio! e
porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra
sem nome
Saciarão a minha fome.
in, " As Encruzilhadas de Deus"
in, " As Encruzilhadas de Deus"
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Neste "Poema do Silêncio" do celebrado Poeta de
Vila do Conde - onde nasceu e se finou - mas que fez de Portalegre a sua cidade
adoptiva, encontro, apesar da sua descrença manifestada em Deus, não sei por
que inexplicável razão, sinto a Sua existência real em cada verso e um desejo
de crença nesse Ser imaterial que foge à parte mais cognitiva do humano para se
mostrar, de vez em quando nos momentos em que é procurado pelo lado divino que
Ele imprimiu como um selo em cada um de nós.
Penso, aliás, que há neste "Poema do Silêncio" um
desejo inconfessado de José Régio do seu belo, profundo e, sobretudo, sincero desejo de não querer meter no silêncio do Mundo a ideia de um Deus fora da
realidade dos homens, por ter sentido que aquilo que ele fez contra a ideia de Deus - terem sido coisas não necessárias, e vós vedes, como ele diz - a ponto de ter constatado isto e ter dito:
Foi em meu nome que fiz
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e
vós vedes.
E é, por isso, que eu me interrogo porque motivo José Régio
podendo, em vez de gravar coisas sobre Deus "A carvão, a sangue , a
giz" - materiais fáceis de serem apagados tendo podido escrever com outros mais difíceis de extinguir, escreveu isto:
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito
que pedi,
- Que ergui mais alto o meu
grito
E pedi mais infinito!
Oh! Poeta!
Como eu entendo o teu "Poema do Silêncio!
Como eu creio que ele é, um grito de alma para teres dado a
cada homem do teu tempo e aos vindouros um modo de ir até Ele nas asas do sonho
de O alcançar e viver com Ele na sua imaterialidade "palpável", pois
só desse modo é que eu entendo esta estrofe:
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e
condenado,
Erigi contra os céus o meu
imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu
que sou tão humano!
Pois é, Poeta!
O que falta ao homem é entender que dentro da sua carapaça
humana vive latente, escondido, mas vivo o divino que habita, ou seja o Deus que vive dentro dele,
de tal modo, que ao invés do que José Régio desejou ao fechar o Poema, desejando
que sobre a sua campa houvesse uma terra sem for uma pedra sem nome, Deus pregou-lhe uma
partida e para lhe saciar a fome que ele sentia de Deus, fez que houvessem
flores que o lembrassem e que o seu nome de grande Poeta ficasse escrito em
pedra, como memória da sua passagem por este Mundo.
E assim, o "Poema do Silêncio" vai continuar a
gritar bem ato o nome do Deus Eterno que ele guardou nas muitas imagens e
iconografias que ele mesmo comprou e enchem a casa em que ele viveu na cidade alentejana de Portalegre.
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