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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

"Sobre a nudez forte da verdade"...


Gravura da inauguração da estátua (Ramalho Ortigão lê o discurso)
Teixeira Lopes, autor da estátua

Nota: todos os documentos gráficos foram captados da revista "Ilustração Portuguesa"
publicada no dia 16 de Novembro de 1903


Sobre a nudez forte da verdade - o manto diáfano da fantasia.

É o subtítulo do livro "A Relíquia" e segundo se pensa foi ele que inspirou o escultor Teixeira Lopes para dar corpo à formosa estátua erigida no Largo Barão de Quintela, em Lisboa onde foi inaugurada no dia 3 de Novembro de 1903.

Tentando dar uma explicação da frase, acentua-se que em literatura uma epígrafe quer retratar um assunto que serve de assento a um livro e foi com esse subtítulo que Eça de Queirós fundiu esse livro admirável que é "A Relíquia", onde aquilo que fica como que sufocado ou encoberto é a dimensão do real, no caso - A nudez forte da verdade - que, embora, sobressaia naquela obra conotada com a escola realista, tem, contudo, no contexto em que ela foi escrita - o manto diáfano da fantasia - por se tratar duma ficção e não de um relato de algo que tivesse acontecido.

Olhando a estátua, Teixeira Lopes, interpretou magistralmente a epígrafe de que Eça de Queirós se serviu, dando na figura alegórica da Verdade esculpida num lindo corpo de mulher, que ele entendeu devia figurar como algo representativo do artista da palavra que foi Eça de Queirós, apresentando-se-lhe de braços abertos, tendo sobre aquela postura escultórica o olhar profundo do escritor que não só traduz um hino à beleza feminina, como retrata a luta travada pelo escritor entre o que lhe exigia a escola do realismo em vigor na época e o sentimento natural e humano pela fantasia, que é, ao fim e ao cabo, uma necessidade vivencial do homem.
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Ramalho Ortigão, companheiro de Eça de Queirós - e um dos "Vencidos da Vida" o famoso grupo de intelectuais, aqui reproduzido. está sentado à direita do autor de "A Relíquia", tendo-lhe cabido o discurso laudatório do amigo que a morte havia ceifado em 1900.


 Eis algumas das suas palavras:

" Não é um retrato literário do insigne escritor que me proponho traçar- o meu fim é unicamente fazer notar a Lisboa que Eça é, como romancista, o mais fundamental e genuinamente lisboeta de todos os escritores nacionais(...).

 Lisboa foi o seu laboratório de arte, o seu material de estudo, a sua preocupação de crítico, o seu mundo de escritor(...)e, a pouco e pouco, se tornou ele próprio enraizadamente lisboeta. Os seus contos e as suas novelas são o espelho desse consórcio do seu espírito com o espírito da vida lisbonense(...). E nesse vasto cenário toda uma densa população pulula, ama, pensa, estuda, combate, intriga, devora ou boceja...; contemplando o enigmático vulto de mulher olímpica, agora aqui colocado, junto do vulto do meu saudoso amigo, eu concluo perguntando-me se essa gloriosa figura, em vez de personificar uma pura e etérea abstracção estética, não é antes a estátua mesma de Lisboa".

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