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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"O Toque das Ave-Marias"

O TOQUE DAS AVE-MARIAS
Quadro de Casimiro Ibone
in, Revista "O Occidente" de 1 de Junho de 1892

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Recordo-me bem.

Sempre que ia de férias à minha aldeia natal - aí pelos anos cinquenta do século passado - assistia ao momento mágico, que tiveram de me explicar, do facto das pessoas quando sova na torre sineira da capela o toque das Ave-Marias, pararem a marcha que levavam, indo ou não a caminho das hortas, para de seguida se descobrirem, erguendo os olhos para o Céu ou baixaram-nos, ficarem silenciosas por uns momentos, rezando.

Naquela postura - aprendi - entravam numa oração de agradecimento a Nossa Senhora pelo dia recebido, ligando-se espiritualmente a ela em obediência ao toque da torre sineira que enchia todo o espaço e as almas das pessoas minhas conhecidas, de tal modo, que não tardou que, estando ou não acompanhado, passei a fazer o mesmo.

Foi por esse tempo que aquela magia do acto simples ao ter comovido o meu espírito fez que a partir dele e das sensações recebidas pela minha alma que se ia desenrolando dentro de mim, ao ver passar a "Senhora Maria" de saudosa memória a caminho da capela da aldeia onde ia cumprir o seu "múnus" escrevi e guardo com muito carinho este poema que ficou a marcar no tempo a realidade vivida e é, hoje, uma doce recordação.

ENLEVO ALDEÃO
  
Não há outro arrebol assim...
Nem pode haver!
Ao fim da tarde,
Quando o Sol se esconde
Fica sobre os montes
Um incêndio de cor
Aceso entre os pinhais
Como se a terra ardesse...

Oh! Fins de tarde
Na minha aldeia...
Aquele clarão
Que a minh’alma enleva
Na luz poente que o monte ateia
Com que claridades acende
A minha treva!

E é sempre a essa hora,
Quando se fecha o dia
Que passa lenta e decidida
A Senhora Maria,
Com modos santos
E onde se lêem alegrias...
Quando sobe ao campanário
Para fazer soar o sino velho
No toque das “Avé-Marias”!

Tudo isto se perdeu.

Menos o tom rosáceo do arrebol ao findar o dia e o fim calmo das tardes... mas o passo lento e decidido da Senhora Maria, há muito se perdeu e não houve, jamais, quem a substituísse na subida à torre para fazer dobrar o sino ao toque suave e melodioso das "Ave-Marias", que agora é, na mudez que ficou, apenas uma lembrança suspensa nas centenas de metal que o forma, tendo deixado de formar para Deus as pessoas que agora passam... e já não param os passos, nem se descobrem.

Sinal dos tempos...
Tenho dúvidas de serem melhores... e muita pena de se terem desvirtuado costumes antigos em que o Mistério da Virgem Santa Maria - MÃE DE JESUS - nos fazia parar para reflectir e agradecer.

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