Camilo Castelo Branco (1825-1890)
"Horas de Paz" é uma obra escrita em dois volumes onde o grande escritor compilou alguns escritos que há mais de dez anos, o autor publicou em dois jornais religiosos, como ele diz no "Prefácio". Tendo este a data de 1865, quer dizer, que estes escritos surgiram quando ele tinha 30 anos.
Mas com apenas 25 anos já tinha sustentado uma polémica com Alexandre Herculano em defesa do clero que ele verberava no folheto "A Questão. Eu e o Clero" a que Camilo respondeu com "O Clero e o Sr. Alexandre Herculano", não poupando o anticlericalismo daquele que veio a ser um grande historiador.
Aconteceu isto no tempo em que frequentava o Seminário Episcopal do Porto, que abandonou em 1852.
É com a luz recebida no Seminário, passada que estava uma juventude atribulada que em 1855 aparecem os escritos religiosos de que ele nos fala e do seguinte modo no início do Cap. IX - FÉ - 1º volume do Livro "Horas de Paz:
Eu elevei a razão humana a um grau de pureza tal, que, reputando-a assim sublime, na generalidade dos homens, basta esse atributo para estabelecer a harmonia entre o Criador e a criatura.
Mas uma coisa é a razão alumiada pelo facho da consciência, e outra é a razão, que repugna ser avaliada. Perdido o equilíbrio entre uma e outra, isto é, confundidas as noções do bem e do mal, do crime e da virtude, a razão desce do trono em que a coloquei, e depõe a sua coroa no altar das paixões desordenadas. (...)
Livre com os seus instintos, e criador de novas impressões, em cada dia, o incrédulo vai de desengano em desengano, parar no extremo da morte, sem que a sua razão, orgulhosa e independente lhe sustenha um passo, de cuja suspensão dependa o retardamento dessa hora final.
Não assim o cristão, que se deleita no delicioso éden que a sua razão lhe marca dentro dos limites da fé.
A fé é a visão celeste do que é invisível na Terra. É o raio de luz que se projecta da centelha do espírito religioso, e vai perder-se no seio dessa mansão luminosa, onde se firma o trono do Senhor do Céu e da Terra.
É sabido que Camilo Castelo Branco na década 50-60 fez que a sua vida tumultuosa com Ana Plácido assim fosse até a sua morte com todos os percalços familiares, tendo de permeio a glória de fulgurantes glórias literárias que as suas páginas mereceram, mas o que importa reter é que, a meio da vida, o Livro "Horas de Paz" constituiu uma paragem da "máquina desgovernada" que ele foi - com começo aos 16 anos - e depois, aos 30 anos, quando a sua musa, Ana Plácido e enfeitiçou, acabando, ele mesmo, com uma relação muito complicada para com a Igreja que defendeu na sua juventude.
Mas isto não impede de mantermos válida a sua definição de fé, não se sabe se inspirada na definição bíblica que lhe deu o Apóstolo S. Paulo "A fé, é, pois, a realidade das coisas que esperamos e a prova das que não vemos" (Heb 11, 1) ou se, ela foi o testemunho que ele quis deixar como prova de não ter sido em vão a sua passagem pelo Seminário do Porto.
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