Penso em Ti
Surge a manhã! Tudo é festa
Tudo no campo é prazer,
Trinam as aves na floresta
Hinos de sol ao nascer,
Nestas horas misteriosas,
Em que dos jasmins e rosas
Sobem perfumes aos céus,
Nestas horas de magia
Em que tudo tem poesia,
Meus pensamentos... são teus.
Leva o sol seu curso em meio,
Tudo inunda em clara luz
E só das selvas no seio
Branda sombra se produz.
Mal se ouvem os zumbidos
Dos insectos e os gemidos
Da fonte caindo além;
Nesta hora de ardente calma
De amor só me fala a alma
E este amor - é teu também.
Já vai desmaiado o dia,
Aumenta o grato frescor,
E na alameda sombria
Gorjeia o alado cantor;
Soltam-se os diques às presas,
Da rega é a hora, e às rezas
Convida o bronze cristão;
Cede o trabalho ao descanso
Nestas horas de remanso,
Meus pensamentos teus são.
Noite é já. A lua alta
Dos ares cruza a amplidão.
Longe, ao longe, o mar exalta
Aos céus a vaga canção;
E do arvoredo a folhagem
Quer na sua linguagem,
Seus bramidos imitar;
O sono a terra domina
E a tua imagem divina
Me enleia em brando sonhar!
Penso em ti a toda a hora,
De manhã, pelo arrebol,
Depois, quando à luz da aurora
Sucede o fulgor do sol;
Penso em ti na hora amena
Em que a tarde vai serena
Envolver-se em ténue véu;
Penso em ti de noite escura,
E é toda a minha ventura;
A mais não aspiro eu.
in, Poesias
Em rodapé deste poema, lê-se:
Aspirar, aspiro,
mas... Esta poesia (perdoem-me o nome) não é um simples jogo de fantasia. O que
ela é, escuso de o dizer. Os que a entenderam dispensam explicações.
Os outros não sei
se feliz se infelizmente para eles, nem com um volume inteiro de notas a
entenderiam melhor.
Em quanto a este
tique que nela figura, se me perguntarem quem é. colocam-me em sérias
dificuldades. Não saberei responder talvez satisfatoriamente.
Ao tom intimista dos sofrimentos da alma, a que todos estamos sujeitos, não se furtou Joaquim Guilherme Gomes Coelho - de seu pseudónimo Júlio Dinis - que deixou ficar para a posteridade esta nota que bem merece o nosso respeito pelo homem que ele foi, médico de profissão e que morreu tuberculoso, na plena idade em que, se não fora a doença - tinha 32 anos - esta lhe matou todos os sonhos, incluindo os sentimentais referentes à constituição de família.
Penso em ti...
E quando se vivem dramas como o que tomou de assalto a vida de Júlio Dinis, este pensar como ele o refere passa a ser um infiel companheiro da vida desde o romper do dia até que este se feche na abóboda celeste e continua de noite a martelar os sentidos, pelo que este "Penso em ti", enquanto testemunho que é, e verdadeiro do homem que foi o ameno e bucólico escritor das gentes e paisagens da nossa ruralidade nortenha do século XIX, é um momento de rara beleza humana e, por isso, bem merece ser lembrado.
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