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segunda-feira, 15 de junho de 2015

Há ratoeiras- Um poema de Miguel Torga




HÁ RATOEIRAS

Quando vierem, como feiticeiros,
Tirar-te o espírito do corpo,
Obstina-te, irmão!
Não,
Não
E não!,
Seja qual for a habilidade
E a humanidade
Da encantação.

Lembra-te dum cortiço!
O que ferve lá dentro e dá favos de mel,
É o que presta.

Mas se querem a festa
Da tua morte,
Então,
Que levem tudo no caixão:
A alma e o suporte!

Miguel Torga


Há neste poema do grande Poeta algo que sugere uma interrogação, sabendo-se que Miguel Torga viveu de través com Deus, mas tinha pelo espírito - que é em todo o homem uma centelha do divino que o habita - um sentimento muito vivo e, por isso, faz um alerta com este poema: há ratoeiras...

E há, efectivamente!

Por isso, ele diz que quando vierem, malevolamente, os feiticeiros, ou seja, os que vivem sem dar atenção à força incorpórea que todos trazemos e até dispostos a tirar-nos o espírito do corpo devemos obstinar-nos, lutando contra eles... - não, não e não - pois não podemos ter outra atitude porque o corpo de pouco vale, enquanto o espírito tudo pode, razão por que ele chama para defesa daquilo em que acredita a imagem do cortiço onde as abelhas laboram, dizendo dum modo claro e preciso, que:

O que ferve lá dentro e dá favos de mel,
É o que presta.

O corpo, portanto, é apenas um suporte - matéria que o espírito anima - e, por isso, se tanto for preciso, se vierem os tais feiticeiros que levem tudo, porque se nos roubam o espírito que Deus nos deu, que levem o corpo, porque este deixa de viver no momento exacto em que foi roubado.

E isto faz que aflore ao meu pensamento - o espírito que vive em mim - uma frase de Saint-Exupéry que retiro dos seus "Cadernos": O que conduz o Mundo é o espírito e não a inteligência, pela simples razão que é essa coisa incognoscível que anima todo o homem a condutora de tudo o que faz a sua inteligência, porque esta só actua se o espírito está vivo e atento.

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