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sábado, 27 de janeiro de 2018

Uma lembrança de Bulhão Pato e da sua "Paquita"

Fac-símile da caricatura de Bulhão Pato 
in, do Jornal "Azulejos" de 10 de Fevereiro de 1908
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Bulhão Pato, como ficou conhecido, de baptismo teve os nomes de Raimundo António seguido daqueles apelidos ifentificatórios na História da Literatura Portuguesa, nasceu em Bilbau (Espanha) filho de um fidalgo português em 1829, sendo menino quando rebentou a primeira "guerra carlista" em 1833, era então um jovem quando esta terminou (1840) mas já então a residir em Lisboa onde chegou em  1837, mas marcado, embora distante, no tempo da sua adolescência pela segunda guerra entre os mesmos contendores - absolutistas contra liberais - (1846-1849).

Nas suas memórias diz o Poeta que, «Nessa época a cena política cheirava a pólvora e a sangue! O ódio entre carlistas e cristinos não era menor do que o ódio entre miguelistas e constitucionais" que a sua adolescência viveu em Portugal, mas essas lutas fratricidas marcaram indelevelmente a sua sensibilidade o que o levou em toda a sua obra a ter um repúdio pela violência pela ambição desmedida e prepotência dos mais fortes, contrapondo-lhe a sua ideia de justiça derivada da doutrina cristã.

Foi, por isso que Bulhão Pato nunca se envolveu na acção político-partidária - embora tivesse apadrinhado a "Revolução de Maria da Fonte", travando a sua luta de pena em punho para se alcandorar nos corações dos que o apoiavam, reconhecendo-o como um modelo de virtudes, não tardando a ser requisitado pela imprensa da época, aparecendo o seu famoso poema "Paquita" - começado a ser escrito na Ajuda, em casa de Alexandre Herculano, um seu indefectível amigo ao longo da vida - na Revista Peninsular, onde se desenrolam as aventuras e desventuras dessa filha da Andaluzia e de seu primo Pepe.

O Canto I da Paquita começa com esta sextilha:



E termina esta Canto com este poema dedicado - A JÚLIA - no tempo em que Pepe rumara a Salamanca e uma notícia de jornal informa Paquita daqueles versos a Júlia, onde começa a desenrolar-se o drama.

    A JÚLIA

Naquela deserta ermida,
Que alveja na serrania,
Deu sinal, Júlia querida,
O sino da Ave-Maria.

Este som tão conhecido
Da nossa inocente infância,
Como agora vem sentido
Trazer-me viva à lembrança,
Toda essa doce fragrância
Daquele existir d'então!

Ai! lembrança não, saudade!
Saudade Júlia, tão funda...
Mas tão grata, que me inunda
De ventura o coração.

Espera... se neste instante
Mandasse à terra o Senhor,
Anjo de meigo semblante,
E aos dias daquela idade
Nos tornasse o seu amor...
Oh! responde-me, querida,
Se quanto depois na vida
De belo nos há passado,
Não devera ser trocado
Por esses dias em flor?!

Que lá vão! lembras-te ainda?
Tu risonha doidejavas,
Por entre as moitas de flores
Como elas fragrante e linda.
Quando o som pausado e lento
D'Ave-Maria escutavas,
Então naquele momento
Aos pés da Cruz te prostravas!...

Que fronte de anjo era a tua
Vista ao reflexo amoroso
Dos frouxos raios da lua!
Uma tarde, ao pôr do sol,
No recosto pedregoso
Do monte nos encontramos;
Lembras-te! essa hora bateu,
Porém nós mal a escutamos!
Os olhos, tu perturbada,
Baixavas, e no semblante
Não sei que luz te brilhava,
Eu sei que naquele instante
O prazer me enlouqueceu.

Oh! fatal loucura aquela!
Tinha-me ali tão perdido,
Que, sem mais ver, delirante
Nos braços te arrebatei.

Não sei por onde vagava,
Nem quanto, nem como andei;
Só me lembra que a ventura
Ali real me falava,
E que aos incertos lampejos
Das estrelas desmaiadas,
Imprimi ardentes beijos
Nas tuas faces rosadas!

Foi breve aquele delírio;
Ao menos breve o julguei;
E quando, outra vez à vida
De sobressalto voltei,
Desbotada como um lírio
Pelos vendavais batido,
Nos meus braços te encontrei!

                                                     
No Poema, Pepe, recebe desde a infância o amor puro de Paquita e, no mesmo, este herói masculino ora é envolvido em affaires amorosos, ora é apresentado a cumprir o papel de soldado a que junta a manifestação das suas paixões violentas, tecendo Bulhão Pato a sua ternura poética na beleza e fragilidade de Paquita, a heroína romântica. lembrando-se do beijo da despedida daquela separação forçada que a força para o caminho ascético que o Poema narrativo em sextilhas decassilábicas vai desfiando nos seus dezasseis cantos onde a heroína só comparece com assiduidade nos três primeiros, no sétimo, décimo primeiro e no décimo sexto como vaga lembrança na memória de Pepe.

Como nota final, aponta-se que tendo sido Bulhão Pato um homem adepto da não violência política de que foi testemunha na sua primeira idade e nos tempos da sua juventude, como já se disse, neste aspecto relacional dos dois sexos não pode fugir a ser testemunha do seu tempo, da fragilidade feminina ante o despotismo amoroso do homem pelo que o livro PAQUITA sendo uma narração fiel da época final do século XIX, só por isso merece a pena lembrá-o.

A mudança de atitudes surgidas no século seguinte de maior respeito pela mulher foi um avanço civilizacional, porque a mulher superior ao homem em muitos aspectos da interioridade humana - sendo como é, a fonte da vida - sofreu por demais ao longo dos tempos a arrogância masculina que lhe advinha da sua força física mas sempre lhe faltou no acompanhamento da sua força mental.

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