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quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

"A tua roca" - Um poema de amor de José Simões Dias


A tua roca

Quando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito.
Na cinta a roca enfeitada;

Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca os segredos;

Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!

Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias no linho
Os brancos, finos cabelos!

E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado.
Irmã de lacinho verde
Que trazes no penteado?

Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso.
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!

É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser estriga
E ela a fitinha de seda!

Eu já não sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura.
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!

Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida.
Ao pé de ti sempre curta.
Ao longe sempre comprida!

Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira.
E a fita da tua roca
A silva duma roseira!

Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga,
Se ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,

Sou eu que estou a lembra-me
Da tua divina boca.
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!

José Simões Dias
in “Peninsulares” - parte intitulada "Mundo interior"



Eu tenho por este retrato literário do Poeta da Benfeita, uma terra nobre do Concelho de Arganil, vizinho territorial do meu, Pampilhosa da Serra, uma paixão que muitas vezes me leva até ao seu livro "Peninsulares" para encher a alma do prazer de uma leitura sadia que foi beber ao parnasianismo ultra-romântico do autor, que dividiu a sua cultura literária entre o conto e a poesia de um realismo puro em que a mente se prendia a uma imagem para tirar dela todo o proveito próprio, para o dar aos seus leitores.

A ele se deve, enquanto deputado nos tempos do rotativismo da Monarquia Constitucional, militando no Partido Progressista, a lei que veio a transformar o aniversário de Luís de Camões em "Dia de Portugal" como se comemora ainda hoje, provando assim, que no político havia a chama e o influxo da Poesia imorredoira do épico.

"A tua roca" é um feixe de quadras simples de sete sílabas onde perpassa leve, mas profunda a veia poética deste serrano de gema que é um orgulho da sua terra natal que vê nele um filho ilustre que nunca esqueceu e muito valorizou os aspectos campestres em muitas das suas composições que tiveram o condão de não ter sido sepultadas com ele, porque, como esta, ficaram vivas a atestar o cidadão exemplar que ele foi.

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