Gomes Leal numa caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro
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O Selvagem
Eu não amo ninguém. Também no mundo
Ninguém por mim o peito bater
sente,
Ninguém entende meu sofrer
profundo,
E rio quando chora a demais
gente.
Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais calado que o esquife, a
Morte e as lousas,
Selvagem, solitário, inerte e
mudo,
- Passividade estúpida das Cousas.
Fechei, de há muito, o livro do
Passado
Sinto em mim o desprezo do
Futuro,
E vivo só comigo, amortalhado
Num egoísmo bárbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas
duras
Regiões dos cruéis indiferentes,
Meu peito é um covil, onde, ás
escuras,
Minhas penas calquei, como as
serpentes.
E não vejo ninguém. Saio somente
Depois de pôr-se o sol, deserta
a rua,
Quando ninguém me espreita, nem
me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à
lua...
in
'Claridades do Sul'
De seu nome completo António Duarte Gomes Leal (1848-1921) nasceu na Praça do Rossio, em Lisboa, e foi esse nascimento que ao fazer dele um filho natural que com a morte precoce do pai se viu entregue, durante 34 anos aos cuidados de uma mãe extremosa mas de limitados recursos, que ainda assim o fez frequentar o Curso Superior de Letras, que não concluiu, dando-se a uma vida boémia, até cair na extrema pobreza com a morte da mãe, em 1910.
Passou a viver da caridade alheia, havendo quem diga que chegou a passar fome e a dormir nos bancos de jardim como se fosse um vagabundo, quando ele era, além de uma alma boa, um literato de grande valor, que se deixou vencer pelo alcoolismo que teve grande influência na sua aderência ao ideário anarquista, antes da sua conversão ao catolicismo.
Romântico e visionário foi um admirador de Victor Hugo e de Baudelaire.
Na obra que nos deixou transparece o seu génio multifacetado, que ora fez dele um lírico, ora um crítico social e panfletário de livre-pensador com o extremismo de injúrias à realeza, havendo quem no aspecto literário o situe no Simbolismo decandentista que existiu no final do século XIX, quando a sociedade ao viver, difusamente, tantas sensações de mudanças sociais acabou por se deixar cair no pessimismo de que a alma ardente de Gomes Leal não conseguiu fugir.
Na obra que nos deixou transparece o seu génio multifacetado, que ora fez dele um lírico, ora um crítico social e panfletário de livre-pensador com o extremismo de injúrias à realeza, havendo quem no aspecto literário o situe no Simbolismo decandentista que existiu no final do século XIX, quando a sociedade ao viver, difusamente, tantas sensações de mudanças sociais acabou por se deixar cair no pessimismo de que a alma ardente de Gomes Leal não conseguiu fugir.
"O Selvagem" - título que ele deu ao poema que se publica neste "post" ´é uma amostra acabada do que ele sentia e é, por isso, um grito do homem ferido que vivia alheio e todos e de tudo, entregue a si mesmo, ao ponto de sair de casa só à noite, quando tinha a certeza de não ser espreitado por ninguém.
Morreu dando sinais de demência e entregue à caridade alheia.
Morreu dando sinais de demência e entregue à caridade alheia.
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