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sábado, 27 de maio de 2017

O Liberalismo e a Religião


Porque há homens cujas palavras são intemporais vale a pena ler Fulton Sheen, o famoso Bispo americano que foi, para além das suas funções clericais um pensador social cuja obra literária é um monumento humano de valor incalculável e que, infelizmente, a própria Igreja Romana não faz dela o devido realce, como se já não bastasse a burguesia dos modernos liberais, bem longe dos verdadeiros liberais que imergiram dos ideais do Iluminismo..


Fulton Sheen
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A época do liberalismo julgou ser possível servir a um tempo a Deus e a Mammon. A religião era tida como uma espécie de luxo sentimental a que o homem se podia apegar se assim o quisesse, mas que devia ser mantida num compartimento separado da ordem económica e política. Seis dias da semana eram dados ao homem para ganhar a vida; um dia por semana devia ser concedido ao repouso. Se, em vez de repousar, um homem desejasse “Ir à igreja”, isso só era de sua conta; mas sob condição alguma devia ele levar consigo sua “igreja” para o trabalho na segunda-feira pela manhã. A religião era considerada um assunto “particular”; os negócios eram “públicos”: 

Daí não ser considerado de bom tom trazer o assunto de religião a um jantar, embora se pudessem discutir à vontade as ideias políticas do vizinho ou mesmo sua consciência. A política e a economia eram terrenos em que cada qual devia decidir por si, tivesse ou não razão, e qualquer tentativa da parte da Igreja de sugerir princípios morais que governassem esses domínios era encarada como injustificável intromissão. A religião era qualquer coisa que se traz consigo, que se veste, como um terno de roupa, mas não uma parte integrante da vida, tal como ver ou ouvir.

Criou-se assim uma atitude mental em que se supunha que o grande ato redentor do Calvário não tinha significação alguma para a ordem social. A alma convertia-se num insignificante subúrbio da cidade chamada Negócio. Se a política e a economia não interferiam na religião, argumentava-se, por que deveria a religião interferir na política e na economia? A liberdade religiosa era assim adquirida na suposição de que devia abster-se da ordem secular. Tornava-se a religião uma área delimitada da vida, isolada de qualquer contacto com o temporal e qualquer tentativa da parte da religião de introduzir considerações éticas ou morais nos negócios era considerada abusiva, como se a virtude da justiça fosse qualquer coisa que se pregasse do púlpito num domingo, mas que não devesse ser praticada numa fábrica a segunda feira.


O mundo admitia de bom gado que a religião pudesse revelar ao homem seu Deus estava para com a astronomia de Newton. Como Newton pôs o universo debaixo da lei, presumiram os newtonianos que Deus não era mais necessário para explicar a ordem e a harmonia das esferas, como se a descoberta de uma lei abolisse a necessidade de um Legislador. Newton trouxe Deus até seu universo para explicar duas irregularidades que não se podiam ajustar  em sua lei, a saber: Por que certas estrelas fixas não caem e por que certos astros, girando em diferentes órbitas não colidem. Tornava-se assim Deus um meio cômodo de explicar irregularidades que a ciência não podia ainda esclarece, um remendão cósmico qualificado andando de um lado para outro a tapar os rombos do universo newtoniano. 

De modo semelhante permitia-se que Deus cuidasse das irregularidades do universo político e económico, isto é, Ele e Seus crentes podiam fazer o serviço de ambulância para os pobres, os indigentes e os aleijados, que a ordem política e económica não tinha ainda meios de atender. Mais tarde, com o progresso e a ciência, mesmo essas irregularidades desapareceriam e não se necessitaria mais da religião. Desse modo era a religião relegada para um lugar retirado do mundo; uma catacumba onde os homens podiam ir repousar; mas só depois de terem lavado as mãos dos negócios. Chegava-se quase a pensar que o homem que ia à igreja era diferente do homem que ia ao trabalho, ou que o homem, como criatura política e económica, tinha escapado de algum modo miraculoso à queda do homem. O resultado dessa separação entre a religião e os negócios públicos era impedir a religião para uma posição de crescente alheamento dos negócios públicos. “Eu não incomodo a Igreja, por que razão haveria ela de me incomodar?” tornou-se o falacioso refrão para justificar o divórcio de duas coisas destinadas a serem tão inseparáveis como a cabeça e o corpo. 

 Essa atitude mental de afastamento da religião dos negócios públicos levou ao segundo período mais contemporâneo, no qual a religião é considerada inimiga dos negócios públicos. A transição é algum tanto natural, pois dizer que a religião é impertinente à ordem social vale o mesmo que conceder à irreligião predomínio na ordem social. Deixar a religião fora dos negócios públicos não é como deixar o azul fora de uma colcha de retalhos; é como arrancar os olhos fora da cabeça. A cegueira é a consequência da doutrina de que os olhos são desnecessários à vida; a desavença é a consequência da doutrina de que o mútuo amor é desnecessário às relações entre marido e mulher; a violência, a desordem, o derramamento de sangue são a consequência da doutrina de que a justiça é estranha à ordem económica. 

De modo semelhante, deixar a religião fora da ordem social não é a negação de alguma coisa indiferente; é a privação de alguma coisa indispensável. Deixar fora da ordem secular a justiça, o amor, a caridade, os direitos humanos, os deveres, todos os quais pertencem. à religião, é como deixar a alma fora do corpo. Deixar a alma fora do corpo não é ficar com o corpo sem alma, é a morte; deixar a religião fora da sociedade não é ficar com uma civilização secular, é o caos. Demonstra a história que, se uma sociedade ignora a religião, nunca se transforma exatamente em uma sociedade irreligiosa; torna-se anti-religiosa.

in, DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
O PROBLEMA DA LIBERDADE (1)
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O liberalismo de que nos fala Fulton  Sheen surgiu de um grupo de pensadores da Europa do decorrer dos séculos XVII e XVIII, nos tempos em vigorava a teoria do absolutismo em que o Rei tinha a primazia sobre todos os assuntos das Nações, tendo surgido a partir do Iluminismo que se opunha à excessiva intervenção do Estado, tendo sido auxiliado pelo espírito empreendedor e autónomo da burguesia, abrindo espaço para outras possibilidades na relação entre os homens e o mundo. 

O burguês, que se lançava ao mundo para o comércio e usava a somente a própria iniciativa para alcançar seus objetivos, destoava de todo um período anterior onde os homens se colocavam subservientes ao pensamento religioso.

É, ainda o que temos hoje.

O Liberalismo continua actuante, mas com a diferença cobarde de, quando é preciso, fingir que aceita a religião, mas tendo presente que ele á um meio e não um fim, para como diz o povo "estar de bem com Deus e com o Diabo".

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