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domingo, 9 de abril de 2017

Domingo de Ramos - Início da Semana Santa

Hosana! 
Bendito o que vem em Nome do Senhor!



Socorro-me de uma pequena parte do Capítulo II do Sermão do Dia de Ramos pregado em 1656 pelo Padre António Vieira, para deixar este apontamento eclesial, certo que não podia ter escolhido melhor cultor dos textos sagrados, sendo meu desejo, não deixar passar este Dia em  que o Cordeiro Pascal entrou em Jerusalém, convicto que n'Ele se cumpriam as velhas profecias que apontavam, havia séculos, a imolação do Filho de Deus para dar lugar a um Tempo Novo.

(…)
Começou a chover o dilúvio de Noé: alagaram-se na primeira semana os vales e os quartos baixos dos edifícios; subiram-se os homens aos quartos altos. Choveu a segunda semana; venceram as águas os quartos altos, subiram-se aos telhados. Choveu a terceira semana: sobrepujou o dilúvio os telhados, subiram-se às torres. Choveu a quarta semana: ficaram debaixo das águas as torres e as ameias mais altas, subiram-se aos montes. Choveu a quinta semana: ficaram também afogados os montes, subiram-se finalmente às árvores, e assim estavam suspensos e pegados nos ramos. Postos neste estado os homens, já não tinham para onde subir, e não lhes restava mais que uma de duas: ou nadar, ou acolher-se à Arca, ou deixar-se afogar e perecer no dilúvio. Oh! se nos víssemos bem neste grande espelho! E quantos de nós estamos hoje no mesmo estado!

Desde o princípio da Quaresma começou Deus a querer-nos conquistar as almas, e nós sempre a retirar e a fugir de Deus de semana em semana.
Passou a primeira semana da Quaresma, guardamo-nos para a segunda; passou a segunda, deixamo-nos para a terceira; passou a terceira, esperamos para a quarta; passou a quarta, dilatamo-nos para a quinta; passou a quinta, apelamos para a sexta; já estamos na sexta e na última semana deste dilúvio espiritual, já estamos, como os do outro dilúvio, com as mãos nos ramos das árvores, ou com os ramos das árvores nas mãos: "Caedebant ramos de arboribus". (1)

Em dia de ramos estamos, e chegados a este dia e a esta semana precisa, em que não há já para onde retirar, que é o que nos resta? Ou afogar e perecer, ou resolver e nadar para a Arca. Os daqueloutro dilúvio não podiam nadar nem salvar-se na Arca de Noé, uns porque estavam muito longe, outros porque não sabiam dela, e todos porque a Arca não tinha mais que uma porta, e essa estava fechada por fora, e tinha Deus levado as chaves, como diz o texto. Cá no nosso dilúvio não é assim. O Noé é Cristo, Salvador e reparador do mundo, e a Arca em que salvou o gênero humano é a sua cruz. Assim lhe chama a Igreja no hino corrente deste tempo: "Atque portum praeparare Arca mundo naufrago". (2)

O antigo Noé não tinha porta por onde recolher os que se quisessem valer da Arca; mas o nosso Noé divino está com cinco portas abertas, e abertas em si mesmo, para recolher e salvar todos os que se quiserem valer dele e de sua cruz. Oh! que diferente dilúvio é este daquele! Naquele morreram todos os homens, e salvou-se só Noé; neste morreu e afogou-se só o divino Noé: "Veni in altitudinem maris, et tempestas demersit me" (3) para que todos os homens se salvem. Os que pereceram naquele dilúvio são os que não se quiseram persuadir, e se foram dilatando até que não tiveram remédio.

E será bem que nós, chegados a este dia, ainda nos dilatemos mais, e pereçamos  como eles? Perecer não, cristãos, pelo que nos merece o amor de Cristo e suas santíssimas chagas. Aproveitemo-nos ao menos destes poucos dias da Semana Santa, já que dos de toda a Quaresma nos não soubemos aproveitar.
(…)

(1)  - Cortavam ramos de árvores (Mt. 21, 8).
(3)  - Cheguei ao alto-mar, e a tempestade me submergiu (Sl. 68, 3).
(3) -  Eis aqui agora o tempo aceitável (2 Cor. 6, 2).

Padre António Vieira
in, Capítlo II do Sermão do Dia de Ramos (1656)

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