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sexta-feira, 7 de abril de 2017

"A Lenda da Ferradura" - Um poema de Goethe




A Lenda da Ferradura

Quando ainda obscuro
e desconhecido
Nosso Senhor andava na terra
e muitos discípulos o seguiam
que raras vezes o compreendiam,
amava doutrinar as massas
nas ruas amplas e nas praças,
pois à face dos céus a gente
fala melhor e mais livremente,

Ali dos seus divinos lábios
fluíam os ensinamentos mais sábios;
pela parábola e pelo exemplo
faziam de cada mercado um templo.

Certa vez que, em paz e santidade,
com os seus chegava a uma cidade,
viu qualquer coisa luzir na estrada;
era um ferradura quebrada.

Disse a S.Pedro com brandura:
"Pedro, apanha essa ferradura!"

Porém S. Pedro no momento
tinha ocupado o pensamento;
absorto em êxtase profundo,
sonhava-se o dominador do mundo,
rei, papa, ou tal que se pareça,
aquilo enchia-lhe a cabeça!
E havia de dobrar a espinha
por uma coisa tão mesquinha!

Se fosse um ceptro, uma coroa,
mas uma ferradura à-toa!...
E foi seguindo distraído,
como se não tivesse ouvido.

Curvou-se Cristo com doçura
celeste,angélica, humilde;
ergueu do chão a ferradura.
E quando entraram na cidade
vendeu-a em casa de um ferreiro.
Comprou cerejas com o dinheiro,
guardando-as à sua maneira
na manga, à falta de algibeira.

Dali saíram por outra porta.
Fora a campanha estava morta;
nem flor nem a sombra;
ao longe, ao perto,era o silêncio,
era o deserto,era a desolação; ardia,
torrava, o sol do meio dia.
Que não valia em tal secura
um simples gole de água pura!

Nosso Senhor caminha à frente
Deixa cair discretamente,
Furtivamente, uma cereja
que Pedro apanha,
salvo seja,com cabriolas de maluco.
A frutinha era mesmo o suco.

Outra cereja no caminho
atira o mestre de mansinho,
que Pedro apanha vorazmente.
E assim por diante, não uma vez somente
fê-lo o Senhor dobrar a espinha
mas tantas vezes quantas cerejas tinha.

Durou a cena um bom pedaço.
Por fim, disse o Senhor com ar prazenteiro:
Pedro se fosses mais ligeiro
não tinhas tido este cansaço.
Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
tarde por muito menos se afadiga.

Goethe

Tradução de Alberto Ramos
in, Breve Antologia de Poesia Cristã Universal
edição de Sammis Reachers

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Agora que nos aproximamos do Domingo de Ramos que assinala a entrada de Jesus em Jerusalém para ar início à SEMANA MAIOR do Cristianismo, "A Lenda da Ferradura" admiravelmente contada por Goethe é, um exemplo que parece datar de um tempo em que os Apóstolos que seguiam Jesus - e neste caso S. Pedro - ainda não tinha a dimensão cabal do Mistério que havia na vida humana e divina do Homem de Nazaré.

São d'Ele bem conhecidas as Parábolas, com ais quais numa linguagem figurada mas cheia de comparações e de elementos comuns à época, transmitiam ensinamentos ligados à moral, à virtude, à sabedoria e à doutrina que Ele transmitiu aos homens de todos os tempos.

Goethe, nesta "Lenda da Ferradura" deu o exemplo do que se entende pelo significado da Parábola e sem que esta conte nas 44 que a Bíblia refere - o sentido vai beber por inteiro aos ensinamentos do Mestre -  e  de tal modo que o escritor alemão fez questão de deixar bem patente, na última estrofe, a conclusão de que, 


Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
tarde por muito menos se afadiga.


Eis, porque, tomando como ontem -  os tempos em que Jesus, depois de ter deixado bem clara a Mensagem que trazia de Deus se aproximava de Jerusalém para ser crucificado - e o tempo de hoje, os ensinamentos que Ele deixou continuam indelevelmente ligados à História dos homens para todo o sempre.

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